30 de abr. de 2010
KANNTAH NNAYWEBCKNN
Depois da névoa da tarde Willian Turner
eu olho o velho navio.
No longo dorso desbotado,
as marcas das esporas cossacas
mancham o negro da pele:
digitais dos sete mares,
desenhos de lascas de gelo,
feridas dos portos.
Na praça a estátua do ditador
com as mãos eternamente às costas
olha sem ver a alma russa atormentada
pelas lembranças das tempestades,
enquanto os pardais fazem ninho
na feia cabeça de bronze.
O impronunciável barco remexe com seu casco
o lodo do fundo da baía
e suas chaminés rastreiam o ar dourado
contando histórias perdidas
de mulheres gigantes em planícies geladas,
histórias de sonhos e coragem
que ficaram ocultas
em cidades de papel
à espera das escavações que descobrissem
um novo sentido aos signos.
( Margareth Franklin in Terra, 1998. BH, Por Ora Editora)
28 de abr. de 2010
Os remédios do amor e o amor sem remédio…
Padre Antônio Vieira
Ora vede: Definindo S. Bernardo o amor fino, diz assim: Amor non quaerit causam, nec fructum: "O amor fino não busca causa nem fruto". Se amo, porque me amam, tem o amor causa; se amo, para que me amem, tem fruto: o amor fino não há de ter por quê nem para quê. Se amo por que me amam, é obrigação, faço o que devo; se amo para que me amem, é negociação, busco o que desejo. Pois como há de amar o amor para ser fino? Amo, quia amo, como ut amem: amo, porque amo, e amo para amar. Quem ama porque o amam, é agradecido; quem ama, para que o amem, é interesseiro; quem ama, não porque o amam, nem para que o amem, esse só é fino.
…sobre as palavras que tomei, tratarei quatro coisas, e uma só. Os remédios do amor e o amor sem remédio…
Primeiro Remédio
O Tempo
O Tempo
Tudo cura o tempo, tudo faz esquecer, tudo gasta, tudo digere, tudo acaba. Atreve-se o tempo a colunas de mármore, quanto mais a corações de cera! São as afeições como as vidas, que não há mais certo sinal de haverem de durar pouco, que terem durado muito. São como as linhas que partem do centro para a circunferência, que, quanto mais continuadas, tanto menos unidas. Por isso os antigos sábiamente pintaram o amor menino, porque não há amor tão robusto, que chegue a ser velho. De todos os instrumentos com que o armou a natureza o desarma o tempo. Afrouxa-lhe o arco, com que já não tira, embota-lhe as setas, com que já não fere, abre-lhe os olhos, com que vê o que não via, e faz-lhe crescer as asas, com que voa e foge. A razão natural de toda esta diferença, é porque o tempo tira a novidade às coisas, descobre-lhes os defeitos, enfastia-lhes o gosto, e basta que sejam usadas para não serem as mesmas. Gasta-se o ferro com o uso, quanto mais o amor? O mesmo amar é causa de não amar, e o ter amado muito, de amar menos.
Segundo Remédio
Ausência
Ausência
Muitas enfermidades se curam só com a mudança do ar; o amor com a da terra. E o amor como a lua que, em havendo terra em meio, dai-o por eclipsado. E que terra há que não seja a terra do esquecimento, se vos passastes a outra terra? Se os mortos são tão esquecidos, havendo tão pouca terra entre eles e os vivos, que podem esperar, e que se pode esperar dos ausentes? Se quatro palmos de terra causam tais efeitos, tantas léguas que farão? Em os longes, passando de tiro de seta, não chegam lá as forças do amor. Os filósofos definiram a morte pela ausência: Mors est absentia animae a corpore. Despediram-se com grandes demonstrações de afeto os que muito se amavam, apartaram-se enfim, e, se tomardes logo o pulso ao mais enternecido, achareis que palpitam no coração as saudades, que rebentam nos olhos as lágrimas, e que saem da boca alguns suspiros, que são as últimas respirações do amor. Mas, se tomardes depois destes ofícios de corpo presente, que achareis? Os olhos enxutos, a boca muda, o coração sossegado: tudo esquecimento, tudo frieza. Fez a ausência seu ofício, como a morte: apartou, e depois de apartar, esfriou.
Terceiro Remédio
Ingratidão
Ingratidão
Assim como os remédios mais eficazes são ordinariamente os mais violentos, assim a ingratidão é o remédio mais sensitivo do amor, e juntamente o mais efetivo. A virtude que lhe dá tamanha eficácia, se eu bem o considero, é ter este remédio da sua parte a razão. Diminuir o amor o tempo, esfriar o amor a ausência, é sem-razão de que todos se queixam; mas que a ingratidão mude o amor e o converta em aborrecimento, a mesma razão o aprova, o persuade, e parece que o manda. Que sentença mais justa que privar do amor a um ingrato? O tempo é natureza, a ausência pode ser força, a ingratidão sempre é delito. Se ponderarmos os efeitos de cada um destes contrários, acharemos que a ingratidão é o mais forte. O tempo tira ao amor a novidade, a ausência tira-lhe a comunicação, a ingratidão tira-lhe o motivo. De sorte que o amigo, por ser antigo, ou por estar ausente, não perde o merecimento de ser amado; se o deixamos de amar não é culpa sua, é injustiça nossa; porém, se foi ingrato, não só ficou indigno do mais tíbio amor, mas merecedor de todo o ódio. Finalmente o tempo e a ausência combatem o amor pela memória, a ingratidão pelo entendimento e pela vontade. E ferido o amor no cérebro, e ferido no coração, como pode viver? O exemplo que temos para justificar esta razão ainda é maior que os passados.
Quarto Remédio
O melhorar de objeto
O melhorar de objeto
Dizem que um amor com outro se paga, e mais certo é que um amor com outro se apaga. Assim como dois contrários em grau intenso não podem estar juntos em um sujeito, assim no mesmo coração não podem caber dois amores, porque o amor que não é intenso não é amor. Ora, grande coisa deve de ser o amor, pois, sendo assim, que não bastam a encher um coração mil mundos, não cabem em um coração dois amores. Daqui vem que, se acaso se encontram e pleiteiam sobre o lugar, sempre fica a vitória pelo melhor objeto. É o amor entre os afetos como a luz entre as qualidades. Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. As estrelas no meio das trevas luzem e resplandecem mais, mas em aparecendo o sol, que é luz maior, desaparecem as estrelas. Em aparecendo o maior e melhor objeto, logo se desamou o menor.
Amor Sem Remédio
Se quando se rendem ao mesmo amor todos os contrários, será justo que lhe resistam os seus, e se na hora em que morre de amor sem remédio o mesmo amante, será bem que lhe faltem os corações daqueles por quem morre? Amemos a quem tanto nos amou, e não haja contrário tão poderoso que nos vença, para que não perseveremos em seu amor.
26 de abr. de 2010
CIDADE ADMINISTRATIVA DE MG:
Assim o Governo mostra
Assim o povo entende o custo...
Parabéns aos professores, servidores da Unimontes, trabalhadores em hospitais e outros grevistas que mostram esse cálculo à sociedade: lições de cidadania
25 de abr. de 2010
Carlos Drummond de Andrade
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
Ainda um grito de vida e
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.
voltar
para onde tudo é belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.
Sem que ainda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
22 de abr. de 2010
Cecília Meireles
Canto XXXIV ou de Joaquim Silvério Giotto
Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério:
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trais um simples Alferes.
Recebeu trinta dinheiros...
- e tu muitas coisas pedes:
pensão para toda a vida,
perdão para o que deves,
comenda para o pescoço,
honras glórias, privilégios.
E anda tão bem na cobrança
que quase tudo recebes!
Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério!
Pois ele encontra remorso,
coisa que não te acomete.
Ele topa uma figueira,
tu calmamente envelheces,
orgulhoso e impenitente,
comteus sombrios mistérios.
(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes.)
de O romanceiro da Inconfidência - 1953
Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério:
que ele traiu Jesus Cristo,
tu trais um simples Alferes.
Recebeu trinta dinheiros...
- e tu muitas coisas pedes:
pensão para toda a vida,
perdão para o que deves,
comenda para o pescoço,
honras glórias, privilégios.
E anda tão bem na cobrança
que quase tudo recebes!
Melhor negócio que Judas
fazes tu, Joaquim Silvério!
Pois ele encontra remorso,
coisa que não te acomete.
Ele topa uma figueira,
tu calmamente envelheces,
orgulhoso e impenitente,
comteus sombrios mistérios.
(Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes.)
de O romanceiro da Inconfidência - 1953
21 de abr. de 2010
CLARICE LISPECTOR
Brasília é construída na linha do horizonte. – Brasília é artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi criado. Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem especialmente para aquele mundo. Nós somos todos deformados pela adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos sido criados em primeiro lugar, e depois o mundo deformado às nossas necessidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília. – Se eu dissesse que Brasília é bonita, veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia, vêem nisso uma acusação; mas a minha insônia não é bonita nem feia – minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto.
Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério. – Quando morri, um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Havia um táxi parado. Sem chofer. – Lucio Costa e Oscar Niemeyer, dois homens solitários. –
Olho Brasília como olho Roma: Brasília começou com uma simplificação final de ruínas. A hera ainda não cresceu. Além do vento há uma outra coisa que sopra. Só se reconhece na crispação sobrenatural do lago. Em qualquer lugar onde se está de pé, criança pode cair, e para fora do mundo. Brasília fica à beira.
Se eu morasse aqui, deixaria meus cabelos crescerem até o chão. – Brasília é de um passado esplendoroso que já não existe mais. Há milênios desapareceu esse tipo de civilização. (...)
Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério. – Quando morri, um dia abri os olhos e era Brasília. Eu estava sozinha no mundo. Havia um táxi parado. Sem chofer. – Lucio Costa e Oscar Niemeyer, dois homens solitários. –
Olho Brasília como olho Roma: Brasília começou com uma simplificação final de ruínas. A hera ainda não cresceu. Além do vento há uma outra coisa que sopra. Só se reconhece na crispação sobrenatural do lago. Em qualquer lugar onde se está de pé, criança pode cair, e para fora do mundo. Brasília fica à beira.
Se eu morasse aqui, deixaria meus cabelos crescerem até o chão. – Brasília é de um passado esplendoroso que já não existe mais. Há milênios desapareceu esse tipo de civilização. (...)
Esperei pela noite, noite veio, percebi com horror que era inútil: onde eu estivesse, eu seria vista. O que me apavora é: e vista por quem?
Foi construída sem lugar para ratos. Toda uma parte nossa, a pior, exatamente a que tem horror de ratos, essa parte não tem lugarem Brasília. Eles quiseram negar que a gente não presta. Construções com espaço calculado para as nuvens. O inferno me entende melhor. Mas os ratos, todos muito grandes, estão invadindo. Essa é uma manchete nos jornais.
Aqui eu tenho medo. (...)
Foi construída sem lugar para ratos. Toda uma parte nossa, a pior, exatamente a que tem horror de ratos, essa parte não tem lugar
Aqui eu tenho medo. (...)
(Crônica de 1962)
20 de abr. de 2010
Mais um Vídeo ótimo sobre o Gilson Fubá
Revisitando mitos do Brasil, Gilson Fubá fala de arte, política, futebol, modernismo e principalmente de sua grande paixão: Belo Horizonte.
Vale a pena conferir mais um belo vídeo " A utopia tem data marcada" ,de Sérgio Ribeiro, sobre esse livre pensador a quem devemos tanto.
Mestre Gilson Fubá e sua utopia sempre nos inspirando : "no mínimo, cidadania.."
Vídeo: A utopia tem data marcada
www.youtube.com/colibrifilmes
Vale a pena conferir mais um belo vídeo " A utopia tem data marcada" ,de Sérgio Ribeiro, sobre esse livre pensador a quem devemos tanto.
Mestre Gilson Fubá e sua utopia sempre nos inspirando : "no mínimo, cidadania.."
Vídeo: A utopia tem data marcada
www.youtube.com/colibrifilmes
19 de abr. de 2010
as flores de plástico não morrem
G. Braque
O silêncio dos intelectuais é também a confirmação de que o espaço de liberdade encolheu de tal forma que ninguém mais fala e ninguém escuta, em meio a algazarra geral que virou a facilidade de manifestar posições na babel eletrônica das redes de comunicação. Nada dura além dos 15 minutos da fama de cada idéia, acontecimento, fato histórico, tragédia pessoal, catástrofe natural, feitos de celebridades, bizarrices anônimas.
Dilma Roussef deposita flores no túmulo de Tancredo Neves e o significado simbólico desse primeiro grande gesto da candidata à sucessão de Lula no segundo colégio eleitoral do país é inequívoco. A ex-guerrilheira e o antigo primeiro ministro no grande laboratório da cultura política mineira parecem dizer de um outro túmulo, onde jaz qualquer pretensão de mudança em um passado que nunca passa.
Trata-se da tradição que prende com um alfinete as asas de borboleta do tempo e o interminável presente feito de passado expõe sempre as ruínas do futuro. A decadência vence e a longa duração permanece impávida na tradição que muda conservando. São os tempos em que o novo possível se curva diante do mito: as flores de plástico não morrem
Trata-se da tradição que prende com um alfinete as asas de borboleta do tempo e o interminável presente feito de passado expõe sempre as ruínas do futuro. A decadência vence e a longa duração permanece impávida na tradição que muda conservando. São os tempos em que o novo possível se curva diante do mito: as flores de plástico não morrem
18 de abr. de 2010
16 de abr. de 2010
Hélio Oiticica
Parangolé urbanoSeu Tarcísio ajudou a fundar o PT no Barreiro. Ainda me lembro que quando ele tecia suas análises ou fazia perguntas difíceis, eu ficava imaginando se não era um daqueles líderes operários clandestinos que se esconderam nos cantos dos bairros operários para escapar da perseguição da ditadura militar e apareciam agora nos núcleos do PT, disfarçados de pobre, com jeito simples e roupas modestas.
Mas que nada, Seu Tarcísio era mesmo da comunidade e era inteligente, dando a impressão de sempre sorrir enquanto falava. Quero caprichar nas tintas da sua descrição, a camisa azul, o cabelo lavado penteado de lado, escondendo a careca. Na ocasião, já tinha ficado cego e começava a se firmar como camelô, vendendo bugigangas pelas ruas do Centro. Seu ponto costumeiro, na esquina da Bahia com Goitacazes, é ainda um observatório privilegiado, como sabiam Nava e Drummond.
E ele resiste à frente do seu mostruário, parangolé urbano feito em tosca armação de papelão sobre um carrinho. Ali pendura espelhinhos, cadarços coloridos, tomadas de luz, ralos de pia, pentes redondinhos, cortadores de unha, agulheiros e toda a sorte de incríveis objetos que compõe o patrimônio e a moldura do homem invisível para quem, no sobe e desce mais famoso da metrópole, não nota sua presença há trinta anos, idade do Partido que ajudou a construir.
Mas que nada, Seu Tarcísio era mesmo da comunidade e era inteligente, dando a impressão de sempre sorrir enquanto falava. Quero caprichar nas tintas da sua descrição, a camisa azul, o cabelo lavado penteado de lado, escondendo a careca. Na ocasião, já tinha ficado cego e começava a se firmar como camelô, vendendo bugigangas pelas ruas do Centro. Seu ponto costumeiro, na esquina da Bahia com Goitacazes, é ainda um observatório privilegiado, como sabiam Nava e Drummond.
E ele resiste à frente do seu mostruário, parangolé urbano feito em tosca armação de papelão sobre um carrinho. Ali pendura espelhinhos, cadarços coloridos, tomadas de luz, ralos de pia, pentes redondinhos, cortadores de unha, agulheiros e toda a sorte de incríveis objetos que compõe o patrimônio e a moldura do homem invisível para quem, no sobe e desce mais famoso da metrópole, não nota sua presença há trinta anos, idade do Partido que ajudou a construir.
O velho senhor cego ainda carrega seu estandarte de exposição de inutilidades e tem sempre o mesmo sorriso no rosto. Seu Tarcísio, herói anônimo, cuja ação cidadã no passado encontra-se ameaçada pelos burocratas que ajudam a manter a tradição da elite brasileira de mudar conservando.
Contra esses, a memória do sonho de pessoas como Seu Tarcísio...
Orides Fontela
FALA
Tudo
será difícil de dizer:
a palavra real
nunca é suave.
Tudo será duro:
luz impiedosa
excessiva vivência
consciência demais do ser.
Tudo será
capaz de ferir. Será
agressivamente real.
Tão real que nos despedaça.
Não há piedade nos signos
e nem o amor: o ser
é excessivamente lúcido
e a palavra é densa e nos fere.
(Toda palavra é crueldade.)
14 de abr. de 2010
PANDORA
Na mitologia grega, Pandora (do grego: Πανδώρα, "a que tudo dá", "a que possui tudo"[1]) foi a primeira mulher, criada por Zeus como punição aos homens pela ousadia do titã Prometeu em roubar aos céus o segredo do fogo. (Wikipédia)
O nome Pandora no filme Avatar, de James Cameron, não aparece por acaso. A mensagem do filme diz respeito à nossa condição de seres interligados a um centro vital que é nosso próprio planeta e aplica-se bem à Terra em crise aguda da chamada civilização.Em Avatar, as peles diferentes e a consciência planetária oposta fazem dos humanos os inimigos cuja tecnologia avançada ameaça de destruição o planeta Pandora. Os humanos são os vilões ávidos de riqueza e poder, predadores ferozes que já haviam destruído a natureza do mundo de onde vinham. Os bilhões de humanos que viram o filme, certamente sentiram-se tocados pela mensagem da necessidade de uma mudança de atitude em relação ao planeta e, por um instante, viveram a possibilidade de se identificarem com heróis improváveis e cheios de consciência coletiva.
Na Terra, segundo no mito de Pandora, o fogo sagrado do conhecimento foi roubado por Prometeu e este tornou os humanos superiores em relação aos demais animais e à própria natureza. Os deuses puniram Prometeu que passou a viver preso com as vísceras eternamente devoradas por um abutre. Também enviaram Pandora, criada à semelhança das deusas mais belas, para a Epimeteu, o irmão de Prometeu. Para punir os humanos, ou por temer os resultados do que fariam com o conhecimento que agora possuíam, os deuses mandaram junto com Pandora uma caixa que nunca deveria ser aberta. Mas Epimeteu, curioso, abriu a caixa e a partir daí, todos os males voaram para o mundo e fomos castigados para sempre, sujeitos à morte, aos desastres naturais, às doenças e a outros sofrimentos.
Pandora, o planeta do filme Avatar, representa uma imagem invertida do mito grego, pois, havia harmonia total entre os seres Na’vi e os seus deuses, a quem eram ligados pela natureza. Essa ligação aponta um outro caminho para o uso do conhecimento e. todos partilhavam em rede, no círculo da vida, a metáfora do paraíso. Pandora cria e não destrói e a inversão ao mito é com certeza a mais bela narrativa do filme.
O círculo da vida dos Na’vis é certamente inspirado no célebre A dança, de Matisse, e a mesma noção do pintor da necessidade da arte como superação dos limites humanos em favor de uma alegria de viver, tão necessária quando tudo parece não ter mais saída, parece simbolizar a força que buscam na rede da vida o que os protegerá da destruição.
Outro artista, o surrealista Magritte, também está presente em Avatar nas montanhas suspensas de Pandora, como a falar das múltiplas realidades sob a aparência das coisas. Cameron se apropria, à sua moda, de fragmentos da linguagem artística humana para defender o bom uso do conhecimento e para lembrar que o uso que os humanos fizeram dele até hoje resultou quase sempre em destruição.
Depois do Haiti, Chile e agora China, que sofreram com violentos terremotos, fora outros tremores menores que têm sacudido o planeta, além das chuvas exageradas em SP e RJ, aqui tão perto, devíamos prestar mais atenção ao recado da Terra exausta e violentada. A resposta está vindo na mesma proporção do descaso humano com a sua casa.
(Margareth - dedico este texto ao Lélio, que gostou do filme e respeita profundamente as pessoas e o planeta.)
(Margareth - dedico este texto ao Lélio, que gostou do filme e respeita profundamente as pessoas e o planeta.)
13 de abr. de 2010
Natureza morta
Patrícia Galvão (Pagú)
Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados.
Como os meus dedos, na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!
Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Si eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém ...
Nem a presença dos corvos.
Patrícia Galvão (Pagú)

Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados.
Como os meus dedos, na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!
Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Si eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém ...
Nem a presença dos corvos.
12 de abr. de 2010
Arte Movimento

(reproduções de Paul Cezanne, Jean Dubuffet e Marcel Duchamp)
Alguns leitores curiosos perguntaram sobre o significado do título deste blog ser Arte Movimento: lá vai.
Muita coisa aconteceu desde que as vanguardas artísticas passaram a experimentar formas de expressão inovadoras como cubismo, expressionismo, dadaísmo, performances, land art, instalações, etc e tal. Essas e outras modalidades de linguagem artística foram marcadas pela liberdade em relação ao real, pelo efêmero, pelo uso de materiais inusitados e alternativos, pela ambição da interatividade com o público, pela produção de múltiplos sentidos, enquanto na sociedade a hegemonia do capitalismo impunha o dogma da ideologia do consumo e da adoração à tecnologia.
Tendo as formas de expressão artística como referência, penso ser possível incluir as manifestações políticas como uma espécie de criação coletiva da maior relevância. Fundamentais para alargar o espaço da política, da liberdade e do pensamento, as manifestações políticas aproximam-se do conceito de Arte Total que em sua forma extrema encontra nas revoluções sua tradução mais perfeita. As revoluções populares guiadas pela vontade coletiva, produziram momentos intensos como o apogeu de uma criação capaz de mudar o curso dos acontecimentos. Espécie de iluminação que só a fundação de uma nova ordem é capaz de produzir.
A fundação política é o conceito primordial para instalação de formas alternativas de poder pela associação voluntária entre os indivíduos, porque só a ação humana coletiva é capaz de fundar uma nova comunidade, repactuar valores e desenhar o futuro: Arte Movimento
7 de abr. de 2010
P. Verger
A utopia tem data marcadaConfiram o belo vídeo "O carnaval do Fubá", de Sergio Ribeiro, sobre esse grande personagem que é Gilson Fubá.
www.youtube.com/colibrifilmes
3 de abr. de 2010
2 de abr. de 2010
Como botafoguense desde criancinha não poderia deixar de aplaudir o Armando Nogueira e esse vídeo esclarecedor sobre as eleições de 1989.
Vejam o video em: http://www.viomundo.com.br/tv/armando-nogueira-o-debate-de-1989.html
Vejam o video em: http://www.viomundo.com.br/tv/armando-nogueira-o-debate-de-1989.html
Reproduções de Jacques Villeglé e Jean Tinguely
"Saúdo o vigésimo primeiro século que é a minha época, meu presente e meu futuro. O século XX já alguma vez existiu? (...). Concebida por poetas do tempo livre e por especialistas da sensibilidade urbana, a arte de amanhã será uma arte total correspondente a uma estética popular generalizada, fundamento das indispensáveis metamorfoses planetárias" .(do Manifesto Pela Arte Total ou Contra a Internacional da Mediocridade - Pierre Restany - 1967)1 de abr. de 2010
Então. Vou começar pelo final que é onde estou. Recebi uma homenagem pelos 30 anos de fundação do PT do Diretório Regional do Barreiro e os acontecimentos da noite da homenagem desencadearam velhas lembranças que precisam fluir para que o esquecimento não seja o canto de sereia a nos fazer perder o rumo.
Barreiro vermelho, de barro, fumaça, luta e história, como no poema do Padre Paulo, tão querido naquela comunidade. Chão de minério puro ao pé da Serra do Rola Moça, imponente, apesar da ganância mineradora. A serra olha do seu lugar de monumento mineral o tempo passando e ri dos 30 anos, um nada, nem um suspiro seu.
A homenagem aconteceu na Escola Sindical 7 de Outubro, onde antes funcionava minha antiga escola, o Ginásio Cristo Redentor. O auditório está construído exatamente em cima do lugar onde antes existiu uma sala de tábuas. Nela eu fiz a sétima série ajudando a editar, em 1973, um jornalzinho precário e radical chamado Caixote, que reproduzia as letras de Raul Seixas e tinha o Vietnã e declarações pedindo o fim da guerra como matérias obrigatórias. Os lugares guardam uma magia secreta e com certeza, se soubermos enxergar para além das coincidências, existe sempre uma vontade de futuro, um desejo de ação, como agora eu sinto e tenho que me haver com as lembranças guardadas. Não, esse não será um relato objetivo.
Mas o esforço, prometo, será para me isentar ao máximo, ainda que isso seja impossível, pois simpatias e afinidades sempre as temos por uns e outros. Mas não me ocuparei com a pretensão de fazer um grande épico dos gloriosos e heróicos anos em que fundamos o Partido dos Trabalhadores, fomos capazes de inúmeras jogadas celestiais e de fazer o gol de tomar o poder duas décadas depois. E, se colocar um trabalhador na presidência não foi totalmente sem sangue, porque foram muitos os que tombaram para pavimentar essa tomada do poder, o que predominou mesmo foi muita alegria e capacidade de combinar técnica e paixão.Acredito sinceramente na responsabilidade que pesa sobre os ombros de quem se atreve a narrar qualquer pedaço dessa história, por ser tarefa gigantesca que penso mais adequada aos aedos que aos historiadores, pois apenas os poetas são livres.
No Barreiro, na outrora região de grandes hortas e pomares, de ar frio e céu esplêndido que nos idos de 1896, Aarão Reis e os seus decidiram construir a Colônia de Vargem Grande para receber os imigrantes italianos e alemães, construímos com sucesso uma cidadela de bandeira vermelha e estrelada. Então, enfrentamos com nossa juventude, poderosos remanescentes dos velhos coronéis, conservadores de todas as ordens, vencemos, mudamos mentalidades, e nossa glória só não é maior hoje porque essa história não foi contada. Aliás, cada ano se perde um pouco do que se sabe sobre os acontecimentos daqueles anos em cada um que desiste, morre ou vai embora, causando um prejuízo enorme para o que saberão as futuras gerações, pois Walter Benjamin me assustou para sempre, ensinando que se os inimigos vencerem, nem os mortos poderão descansar em paz. E eles não têm cessado de vencer.
Por isso a decisão de contar, contar atropelando o tempo linear, contar com o fôlego privilegiado de quem subiu e desceu tantos morros: Cardoso, Flávio Marques, Vila Cemig, Santa Helena, Araguaia, Milionários, Bonsucesso, Santa Cruz, Santa Cecília. Barreiro de Cima, de Baixo, Barreiro subterrâneo, dos córregos, das hortas, dos quintais, mangueiras e jabuticabas. Retrato na parede, mas como dói. Saudade, friozinho, barro grudado para sempre na sola dos pés vermelhos, olhos marejados de fumaça vermelha da siderúrgica que subia colorindo o céu. E são tantas lembranças que atrapalham contar e exigem fôlego, de novo os morros e lá vamos nós, ladeira acima, caminho pedregoso. E quem pode saber disso se não viveu?
Mas Gilson (sempre ele) ajudou: tem que começar falando do primeiro dia, da primeira reunião (foram tantas) na casa de Rosalinda e Rogério e como decidimos fazer um núcleo do PT e lutarmos por melhores condições de transporte público (até hoje uma droga).
Mas não foi lá não Gilson, foi na sua casa. Aquela casa dos seus pais, a que você projetou com seu talento brilhante do arquiteto dessa história toda no Barreiro. A casa que o Paulinho bahiano, cunhado de Rogério, brincava dizendo parecer um piano de cauda. Foi no porão, onde vc tinha um quarto que eu, você e a querida Cristina Góes, conversamos sobre uma reunião que teria no Colégio Santa Rita com uns sindicalistas do ABC paulista sobre a idéia de fundar um partido político. Você e Cristina eram da Centelha e eu era professora primária, não tinha entrado ainda na universidade e não podia ser da tendência, apesar de já ter participado do Comando Geral da Greve dos Professores de 1979. Eu morria de curiosidade e vontade de entrar no universo secreto dos grupos clandestinos e por isso lá fomos nós, num sábado, na tal reunião do Colégio Santa Rita. Lá estavam Lula, talvez Jacó Bittar e Olívio Dutra, com certeza Seu Joaquim, Seu Milton Freitas, Seu Alcides, que já ficaram encantados. Inácio Hernandez, Ademir, Virgílio Guimarães, Sandra Starling, Patrus Ananias, Nilmário Miranda, Tilden Santiago, Sálvio Pena e mais a gente do Jornal dos Bairros . Também o pessoal do CET- Centro de Estudos do Trabalho ( Teresa, Luiz Henrique, Beth Marques e outros ) além dos meus colegas das greves de professores daquele ano espantoso: Durval Ângelo, Luís Dulci, Carlão Pereira, Júlio Pires, Ísis Magalhães, Petinha, Rogério Correia, Rosaura, Juarez Dayrell, Ronaldinho, Léo, Rosa, Rogério, e é claro, eu., Gilson e Cristina Góes e muitos outros. E nós ali, nas arquibancadas de cimento do ginásio do colégio Santa Rita, ouvimos os visitantes ainda não tão ilustres, que explicavam para os mineiros porque não continuar no MDB e fundar um partido novo, de trabalhadores.
Lembra Gilson? Você, Cris e a Centelha inteira votaram no Humberto Rezende no ano anterior. Eu votei nulo, meu primeiro voto, pois não tinha concordado em votar em ninguém do MDB. E foi nessa reunião que nos tornamos responsáveis por articular o tal núcleo que começou na casa de Rosa e Rogério e recebeu tantos agregados importantes que serão lembrados na sequência, conduzindo o fio dessa narrativa.
Mas Gilson (sempre ele) ajudou: tem que começar falando do primeiro dia, da primeira reunião (foram tantas) na casa de Rosalinda e Rogério e como decidimos fazer um núcleo do PT e lutarmos por melhores condições de transporte público (até hoje uma droga).
Mas não foi lá não Gilson, foi na sua casa. Aquela casa dos seus pais, a que você projetou com seu talento brilhante do arquiteto dessa história toda no Barreiro. A casa que o Paulinho bahiano, cunhado de Rogério, brincava dizendo parecer um piano de cauda. Foi no porão, onde vc tinha um quarto que eu, você e a querida Cristina Góes, conversamos sobre uma reunião que teria no Colégio Santa Rita com uns sindicalistas do ABC paulista sobre a idéia de fundar um partido político. Você e Cristina eram da Centelha e eu era professora primária, não tinha entrado ainda na universidade e não podia ser da tendência, apesar de já ter participado do Comando Geral da Greve dos Professores de 1979. Eu morria de curiosidade e vontade de entrar no universo secreto dos grupos clandestinos e por isso lá fomos nós, num sábado, na tal reunião do Colégio Santa Rita. Lá estavam Lula, talvez Jacó Bittar e Olívio Dutra, com certeza Seu Joaquim, Seu Milton Freitas, Seu Alcides, que já ficaram encantados. Inácio Hernandez, Ademir, Virgílio Guimarães, Sandra Starling, Patrus Ananias, Nilmário Miranda, Tilden Santiago, Sálvio Pena e mais a gente do Jornal dos Bairros . Também o pessoal do CET- Centro de Estudos do Trabalho ( Teresa, Luiz Henrique, Beth Marques e outros ) além dos meus colegas das greves de professores daquele ano espantoso: Durval Ângelo, Luís Dulci, Carlão Pereira, Júlio Pires, Ísis Magalhães, Petinha, Rogério Correia, Rosaura, Juarez Dayrell, Ronaldinho, Léo, Rosa, Rogério, e é claro, eu., Gilson e Cristina Góes e muitos outros. E nós ali, nas arquibancadas de cimento do ginásio do colégio Santa Rita, ouvimos os visitantes ainda não tão ilustres, que explicavam para os mineiros porque não continuar no MDB e fundar um partido novo, de trabalhadores.
Lembra Gilson? Você, Cris e a Centelha inteira votaram no Humberto Rezende no ano anterior. Eu votei nulo, meu primeiro voto, pois não tinha concordado em votar em ninguém do MDB. E foi nessa reunião que nos tornamos responsáveis por articular o tal núcleo que começou na casa de Rosa e Rogério e recebeu tantos agregados importantes que serão lembrados na sequência, conduzindo o fio dessa narrativa.
Prometo que vou continuar esse esforço de lembrar e vou usar o espaço desse blog como suporte para esse registro...
24 de mar. de 2010
Basquiat
A Máquina do Mundo Carlos Drummond de Andrade
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
(...)
21 de mar. de 2010
Da janela lateral, uma esquina inesquecível: Aimorés com Maranhão, quase Serra. Casarão antigo, Bar Brasil dos frementes anos 80, 90,2000 acima até acabar espigão sem graça, diamante de blindex e granito, compacto, violento, monumento à barbárie do capital e da técnica. A memória não vale mais nada. E aceitamos com uma passividade surpreendente eles levarem mais do que nosso jardim inteiro. Já estão levando nossa história enquanto inventam desejos, mitos e ídolos para acreditarmos pela televisão.
O Bar Brasil condenado por uma ação irresponsável do administrador público e/ ou dos proprietários a virar uma portaria, na melhor hipótese, de um poderoso condomínio. A clareira formada pela esquina e a rua sem saída numa cidade com tão poucas praças e largos será preenchida por mais uma torre, prejuízo ambiental maior que a própria casinha sempre azul, de venda, linda, o Bar Brasil, querido para a cidade.
O Bar Brasil condenado por uma ação irresponsável do administrador público e/ ou dos proprietários a virar uma portaria, na melhor hipótese, de um poderoso condomínio. A clareira formada pela esquina e a rua sem saída numa cidade com tão poucas praças e largos será preenchida por mais uma torre, prejuízo ambiental maior que a própria casinha sempre azul, de venda, linda, o Bar Brasil, querido para a cidade.
Também querem nos privar da Praça da Estação, onde o PT comandou o mais belo comício do mundo, para milhares de pessoas que, debaixo de chuva, em 1989 ,gritavam Lula lá. Agora, BH na contramão e a praça fica proibida às grandes manifestações, mesmo as religiosas. Aliás, são as manifestações religiosas que mais usam e danificam a Praça hoje em dia, pois, a política deixou de usar as praças preferindo os bastidores e os movimentos sociais, enfraquecidos, não estão em fase de ocupar e resistir grandes espaços.
Agora, o FIT foi cancelado e BH sem Festival este ano.
Que é isso companheiros? Vocês não acham que a essa altura, piorar na Cultura é um contra senso?
Quer dizer, é preciso um esforço coletivo e gigantesco para mudar mentalidades, construir valores civilizatórios e padrões éticos de convivência comum, impossível sem a educação e a cultura. Precisamos frear o trem descarrilhado do progresso entendido como afirmação da lógica do capital e substituir por uma lógica do humano, da sustentabilidade que é ainda só uma palavra, antes que o planeta se despedace. Precisamos da liberdade da arte para reinventar a realidade, para saber das suas infinitas possibilidades, para sonhar...
Numa cidade longe do mar, com pouquíssimas praças e áreas de lazer coletivo, a arte e todas as manifestações da cultura, inclusive a cultura política, fazem parte da vida dos cidadãos, são a sua praia. O Festival de Teatro tem sido um desses belos momentos de arte coletiva, de fascínio da multidão seduzida pelo espetáculo. E vem uma turma tosca e confunde FIT com Copa do Mundo e eleições gerais em outubro!?!
FIT, Praça da Estação e Bar Brasil: triste horizonte...
(Margareth Cordeiro Franklin )
16 de mar. de 2010
Análise: LUIZ BOLOGNESI
( roteirista de filmes como Bicho de Sete Cabeças e Chega de Saudade)
O Oscar e o Avatar
Ao contrário do que parece à primeira vista, a polarização entre Avatar e Guerra ao Terror não traduz uma disputa entre cinema industrial e cinema independente, nem batalha entre homem e mulher. O que estava em jogo e continua é o confronto entre um filme contra a máquina de guerra e a economia que a alimenta e outro absolutamente a favor, com estratégias subliminares a serviço da velha apologia à cavalaria.
Avatar foi acusado nos Estados Unidos de ser propaganda de esquerda. E é. Por isso é interessante. No filme, repleto de clichês, os vilões são o general, o exército americano e as companhias exploradoras de minério do subsolo. Os heróis são o "povo da floresta". A certa altura, eles reúnem todos os ''clãs'' para enfrentar o invasor americano. Clãs? Invasor americano? Que passa? É difícil entender como a indústria de Hollywood conseguiu produzir um filme tão na contramão dos interesses do país e transformá-lo no filme mais visto na história do cinema. Esse fato derruba qualquer teoria conspiratória, derruba décadas de pensamento de esquerda segundo a qual a indústria de Hollywood está sempre a serviço da ideologia do fast-food e da economia que avança com mísseis, aviões e tanques. Como explicar esse fenômeno tão contraditório? (...)
Guerra ao Terror estreou no Festival de Veneza há dois anos. Por acaso eu estava lá como roteirista de Terra Vermelha, do diretor italiano Marco Bechis, e fui testemunha ocular da história. O filme da diretora Kathryn Bigelow foi absolutamente desprezado pelos jornalistas e pelo público. E seguiu assim. Indo direto ao DVD, em muitos países, sem passar pelas salas de cinema. Até ser resgatado pela indústria americana como um trunfo necessário para contestar Avatar e reverenciar a máquina de guerra e o sacrifício de tantos jovens americanos mortos e decepados em campo de batalha.
Guerra ao Terror venceu o Oscar porque, como nos filmes de forte apache, transforma os assassinos que dizimam outras culturas em heróis santificados. A cena extremamente longa e minimalista em que os jovens soldados americanos em situação desprivilegiada combatem no deserto os iraquianos é o que, se não uma cena clássica de caubóis cercados por apaches? Sem nenhuma surpresa para filmes desse gênero, os garotos americanos vencem, matam os iraquianos sem rosto, como os caubóis faziam com os apaches no velho-oeste. A cena do garoto iraquiano morto, com uma bomba colocada dentro do corpo por impiedosos iraquianos, que literalmente matam criancinhas, tem a sutileza de um elefante numa loja de cristais. Propaganda baratíssima da máquina de guerra.
No filme de Cameron, os na"vi azuis podem ser os apaches que derrotam o general e expulsam a cavalaria americana. Mas isso é apenas uma ficção. Na vida real do Oscar, a cavalaria precisa continuar massacrando os apaches.
14 de mar. de 2010
E A MORTE PERDERÁ O SEU DOMÍNIO
Dylan Thomas
E a morte perderá o seu domínio.
Nus, os homens mortos irão confundir-se
com o homem no vento e na lua do poente;
quando, descarnados e limpos, desaparecerem os ossos
hão-de nos seus braços e pés brilhar as estrelas.
Mesmo que se tornem loucos permanecerá o espírito lúcido;
mesmo que sejam submersos pelo mar, eles hão-de ressurgir;
mesmo que os amantes se percam, continuará o amor;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Aqueles que há muito repousam sobre as ondas do mar
não morrerão com a chegada do vento;
ainda que, na roda da tortura, comecem
os tendões a ceder, jamais se partirão;
entre as suas mãos será destruída a fé
e, como unicórnios, virá atravessá-los o sofrimento;
embora sejam divididos eles manterão a sua unidade;
e a morte perderá o seu domínio.
E a morte perderá o seu domínio.
Não hão-de gritar mais as gaivotas aos seus ouvidos
nem as vagas romper tumultuosamente nas praias;
onde se abriu uma flor não poderá nenhuma flor
erguer a sua corola em direcção à força das chuvas;
ainda que estejam mortas e loucas, hão-de descer
como pregos as suas cabeças pelas margaridas;
é no sol que irrompem até que o sol se extinga,
e a morte perderá o seu domínio.
21 de fev. de 2010
Sobre Matisse, escreveu Giulio Argan:
" Matisse viveu duas guerras; como todos com elas sofreu; mas não permitiu que se revelasse na pintura uma ponta sequer da dor do mundo. Se o mundo em suas crises de loucura destrói os valores da civilização, o sábio deve criar e acumular outros valores: a humanidade irá utilizá-los para se recuperar dos golpes da história. A arte conserva ou restabelece nos homens a alegria de viver."(1993, p.343 )
15 de fev. de 2010
FEVEREIRO
Transversal corta o espaço
dobrando o tempo
encurtando.
Do sonho eu chego a aurora. Quimérica
( nas chuvas as manhãs custam a chegar).
"O poeta finge que é dor".
Mas porque diabos tinha o sonho que excluir a poesia?
Para ter a sensação de avantesma.
Fantasma.
Passam os autos e os galos cantam.
Acordam vizinhos putos. Latas batem..
Tampas de comida de ontem ainda.
O relógio implacável aponta o trecho da rua
que ele pode andar com a cabeça descoberta.
Pouco, muito pouco. Logo outra forma geométrica
de concreto e trabalho cobrirá sua cabeça.
Mas andou na chuva
e aproveitou para abrir os pulmões ao seu limite
e engolir a madrugada úmida.
Sonho de homem que sonha tão pouco.
(Lembro-me de um cavalo no interior da Terra).
Batem latas. Batem sons do silêncio
no escuro da manhã.
Margareth Franklin
(publicado em Mulheres e crianças - 1995)
Transversal corta o espaço
dobrando o tempo
encurtando.
Do sonho eu chego a aurora. Quimérica
( nas chuvas as manhãs custam a chegar).
"O poeta finge que é dor".
Mas porque diabos tinha o sonho que excluir a poesia?
Para ter a sensação de avantesma.
Fantasma.
Passam os autos e os galos cantam.
Acordam vizinhos putos. Latas batem..
Tampas de comida de ontem ainda.
O relógio implacável aponta o trecho da rua
que ele pode andar com a cabeça descoberta.
Pouco, muito pouco. Logo outra forma geométrica
de concreto e trabalho cobrirá sua cabeça.
Mas andou na chuva
e aproveitou para abrir os pulmões ao seu limite
e engolir a madrugada úmida.
Sonho de homem que sonha tão pouco.
(Lembro-me de um cavalo no interior da Terra).
Batem latas. Batem sons do silêncio
no escuro da manhã.
Margareth Franklin
(publicado em Mulheres e crianças - 1995)
13 de fev. de 2010

Desobediencia Civil
A desobediencia civil é uma forma extrema de expressão política que, ao se manifestar por meio da associação, fala a linguagem da persuasão, resgata a faculdade de agir, gera poder pela ação conjunta de muitos e se coloca na esfera do interesse público. A desobediência civil é legítima e pode ser bem sucedida na resistência à opressão. Sua principal força é a natureza pacífica de sua ocorrência , a não violência como método de ação. Como a arte que escorre das revoluções...
A desobediencia civil é uma forma extrema de expressão política que, ao se manifestar por meio da associação, fala a linguagem da persuasão, resgata a faculdade de agir, gera poder pela ação conjunta de muitos e se coloca na esfera do interesse público. A desobediência civil é legítima e pode ser bem sucedida na resistência à opressão. Sua principal força é a natureza pacífica de sua ocorrência , a não violência como método de ação. Como a arte que escorre das revoluções...
Foi o que conduziu Ghandi, na Índia e as passeatas e greves que fizemos no fim do período da ditadura militar no Brasil. Foi também o caso da luta contra a segregação racial, além da resistência à guerra do Vietnã, nos EUA. Nesses casos, a desobediência civil foi a expressão de um empenho político coletivo na resistência à opressão, não se constituindo como rejeição da obrigação política, mas a sua reafirmação.
A desobediência civil é importante nos estados de anomia, ou seja, na ausência ou descumprimento generalizado das leis, pois significa resistência aos atos prejudiciais à dignidade da pessoa humana. Caracteriza-se por ser uma forma de protesto praticada por maiorias interessadas em modificar determinada realidade social e esgotados todos os meios legais de negociação. Objetiva chamar a atenção da opinião púbica para o problema, buscando solução através da modificação de leis ou da maneira como determinada política pública está caminhando. Assume, assim, a forma de chamar a atenção para um grupo de pessoas, definido este número em “significativos”, cujas queixas não surtirão efeito pelas vias legais, ou então quando o governo está na iminência de praticar algum ato injusto que irá prejudicar aquele grupo, sendo este ato, em tese, opressor de algum direito fundamental.
No método apreendido dos grandes movimentos dos anos 80 no Brasil, a alegria foi a cor primária usada em todas as suas nuances. “O povo, às claras quer a gema. A alegria é a prova dos nove", brincou mestre Florestan Fernandes no distante 1983, explicando a opção pela cor amarela das Diretas já, o maior movimento brasileiro de todos os tempos e chave que abriu a porta da República ao chamado povo, além de matriz da Era Lula.
A alegria marcou os anos de 1980 para além do simples desbunde, pois, finalmente as questões do mundo privado romperam os laços de família e se tornaram objeto da política.O alcance da felicidade pública, aquela que sentimos participando do cotidiano político, manifestando e reivindicando direitos, criando novos direitos ou varrendo o entulho autoritário, como se dizia então, para longe do presente, conferiu uma longa duração aos acontecidos naqueles anos e isso nos desembarcou no presente.
A alegria continua sendo a prova dos nove.
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