2 de dez. de 2011


Para Rosana Clark

Rô,
De tudo ficou uma espécie de música
Um blues (backing vocal no Blues do Milharal,
arrasando Praça Sete,
Brasil, Paris, Muriaé)
Um blues tão de longe e certeiro,
marcando o compasso de tudo que sou capaz de lembrar.

Um riso, uma boca de batom vermelho como as unhas
Ah ! vestida pra matar
encantar, provocar.
E rir na cara dos trouxas,
dos embasbacados que a viam passar,
princesa talvez de algum reino remoto
ou de um provável corredor.

Encarnava sempre uma Iansã básica e
despejava raios e fúrias
contra os tiranos de plantão,
os arapongas sinistros,
os olhos que tudo vêem .
Nossa felicidade é guerreira, sabia demais...

Queria em sua homenagem
Inventar que foi uma conspiração internacional
que a fez morder a maçã envenenada
com a bactéria mortífera.

Queria transformá-la, num poema épico,
em heroína quilombola, lutando contra a tirania dos barões.
Ou talvez uma história em quadrinhos
sobre revoluções planetárias
e humanos se libertando do sofrimento da falta,
da dor, da perda, da morte.

E nós temos que contar,
pois, aprendemos que pior do que a morte
o esquecimento apaga nossos rastros
e nos condena a vagar sem rumo,

Contar para que sejam guardados os feitos.
No caso, os seus, mulher, companheira em tantos sonhos,
batalhas, risadas, aventuras na construção das mil portas de Tebas.
E assim, como quem acende uma vela e ilumina o presente
Você se vai, deixando como lição sua vontade de viver.
Seu amor pela liberdade

22 de out. de 2011


Com ciência negra: som demais!!!

www.youtube.com
Ellen Oléria e Banda Célio Maciel (Bateria) Rodrigo Bezerra (Guitarra) Paula Zimbres (Baixo) Felipe Viegas (Teclado


http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=lg9ilX4vPAQ

28 de ago. de 2011

CATAGUASES-MG


"Nas tuas ruas brinca a inconsciência das cidades
que nunca foram, que não cuidam de ser.
Não sabes, não sei, ninguém compreenderá jamais o que
desejas, o que serás,
No és do passado, não és do futuro; não tens idade...
Só sei que és
a mais mineira cidade de Minas Gerais. . ." Ascânio Lopes
Ninhos de guaxo - Av. Humberto Mauro




Painel: Anísio Medeiros (detalhe) ( fotos - Margareth)

22 de jul. de 2011

                         Land art: vários artistas

"Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é tampouco, o processo de transmissão de cultura" (Walter Benjamin)

Avós 

 
Minha avó Solaia morreu com 104 anos. Ela era uma Naknenuk.
Tenho orgulho de descender desse povo bonito e guerreiro, por isso mesmo alvo de uma implacável política de extermínio.Solaia era conhecedora dos segredos das matas, dos animais, plantas, fontes de água. Era senhora de um mundo selvagem  que fazia o inferno dos brancos
Grupos hostis aos propósitos civilizadores, como os indígenas do Vale do Mucuri e do Rio Doce, em Minas Gerais do século XVIII e XIX, mereceram a identidade de selvagens e foram considerados obstáculos que precisavam ser removidos para a marcha  da civilização. 
Mereceram também o nome genérico e ofensivo de Botocudos, dado pelos portugueses a diversos povos histórica e geneticamente heterogêneos do grupo lingüístico macro-jê (etnias Pojixá, Jiporok, Naknenuk, Nakrehé, Etwet, Krenak). 
A  guerra contra os Botocudos durou mais de um século . Para isto as tropas oficiais usaram desde cães treinados e alimentados com carne de indígenas até contaminação proposital com sarampo e varíola. 
Quando pegaram Solaia, quase uma menina, a guerra estava no fim. Já eram os tempos  dos ingleses e dos boatos sobre uma estrada de ferro no Vale.
As lembranças de Solaia são parte das  narrativas familiares, fábulas que desde criança eu ouvi contar. São também parte do acervo das memórias de um grupo excluído, marginalizado. Minorias,  que com suas “memórias subterrâneas”, opõem-se à "memória oficial"(POLLAK:1989). 
Solaia e os seus sabiam que um território é  o chão mais a identidade  (Milton Santos,1999,8). Por isso valia a pena morrer lutando. Podem ter perdido a terra, a floresta, a vida, mas vamos sempre lembrar do seu desejo de liberdade. 
(Fotos: botocudos- Vale do Rio Doce - início do Século XX /  pinturas de Debret e Rugendas- Sec. XIX)
Alexander Calder

Os artistas não temem a solidão.
Antes fazem dela aliada
na busca incansável por imagens
que viram linguagens e depois
tornam a virar imagens
para alimentar a imaginação humana.

Quem iria prestar atenção ao ambulante
que carrega dezenas de bolas coloridas às costas
como se fosse um Atlas a carregar mundos?

Quem se importa com os desenhos
que os galhos derrubados das velhas árvores
fazem no chão depois da ventania ?

Quem captura um sorriso
jogado ao ar das ruas da cidade?
Ou o brilho no olhar de alguém
que passa com pressa,
esgueirando-se no tráfego?

Quem vê as formas das nuvens
ou as gotas de chuva?
Quem trata de guardar os sons
dos insetos na mata sob o sol?

Quem ainda acredita em utopias
como o desejo de liberdade?
Quem não sucumbe ao medo da morte
 porque sabe muito sobre
o quanto vale a vida?

Por isso os artistas são tão temidos.
Por desvendarem outra lógica
que a obedecida pela maioria.
Ou outra ordem que é capaz
de contrariar interesses ou verdades.
Por isso muitos são submetidos  às agruras da escassez,
do anonimato, do esquecimento, das traições.

Os que veneram o poder e as riquezas
e os que se vendem a esses,
pagam o preço alto de perder
o encanto do acaso,
o inesperado das formas,
a sensibilidade tátil do mundo.

A esses a arte nunca se mostrará.
Porque mesmo que se mostrasse
eles jamais seriam capazes de perceber. 

Margareth Franklin in Arte Movimento

4 de jun. de 2011

LIBERDADE NOTICIADA
Em comemoração ao aniversário da abolição da escravidão, Arquivo Público do Estado de São Paulo digitaliza jornais da chamada imprensa negra do início do século XX
No dia 13 de maio o Brasil lembra o dia da Abolição da Escravatura (1888). Em comemoração à efeméride, o Arquivo Público do Estado de São Paulo vai disponibilizar em seu site a íntegra de 23 títulos de jornais e revistas da chamada “imprensa negra”, que circulavam pelo país no início do século XX.
Entre os periódicos estão os jornais “A voz da raça”, uma publicação do movimento Frente Negra Brasileira; “A liberdade” (1919-1920), “O Clarim” (1924) e "Getulino" (1916-1923). E entre as revistas está "Senzala" (1946) e “Quilombo”, criada em 1950 com intuito de articular e divulgar a “Convenção Nacional do Negro Brasileiro”.
Os exemplares ficarão disponíveis por meio do site do Arquivo Público (http://www.arquivoestado.sp.gov.br/jornais), que tem um projeto maior de digitalização de periódicos e imagens de seu acervo.

15 de mai. de 2011


N@ rede.com.todos.


ÁFRICA - BRASIL : UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL
No presente, talvez nossa maior utopia seja acabar com as dores produzidas pela falta material em um mundo sem direitos para a maioria, enquanto uns esbanjam os recursos de todos.
A África e o Brasil já se uniram na dor da escravidão, na fusão de culturas, crenças e modos de vida. 
Hoje podem se unir na produção de conhecimentos e tecnologias que  interessam tanto aos dois lados do Atlântico.
Não existe um documento de barbárie que não seja também um documento de cultura, ensinou Walter Benjamin.
Misturamos. 
Além de uma educação capaz de produzir futuros técnicos para o país se desenvolver, podemos trocar estratégias interdisciplinares para melhoria da qualidade da educação, condição básica para o desenvolvimento humano. 
Estamos atravessando o mar virtual e inaugurando uma rota Brasil- África. Para exorcizar os tumbeiros, navegaremos idéias, registros de experiências, trocas de saberes, sempre com o auxilio luxuoso dos nossos alunos, que  serão os verdadeiros autores deste blog.

Começamos pelas disciplinas história, literatura e língua portuguesa. 
Mas nossa ambição é a polifonia do saber com os recursos que pudermos, no mar da Internet. Pra plantar e produzir nova cultura, como diz o MST.

O QUE É NEAB?
Um núcleo de ensino, pesquisa e extensão que reúne professores, alunos, servidores e pessoas da comunidade interessados em realizar um trabalho no campo de estudos afro-brasileiros e africanos,
Djanira: Tres Orixas, 1966
O QUE QUEREMOS?
Queremos também promover ações afirmativas em favor das populações afro-descendentes e contrárias à discriminação e demais formas de intolerância.


Pierre Verger 
Portinari
- Para isso é preciso conhecer melhor a história dos povos africanos  e valorizar a contribuição dos negros para a formação econômica, social e cultural da nossa região;
- Conhecer e valorizar a cultura afro-brasileira .

- Conhecer e valorizar a literatura dos países africanos de língua portuguesa (Angola, Cabo-Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe)
Pierre Verger 


QUERO SER TAMBOR - 

JOSÉ CRAVEIRINHA

Tambor está velho de gritar
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.
Nem flor nascida no mato do desespero
Nem rio correndo para o mar do desespero
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.
Nem nada!
Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra.
Eu
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala
Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.
Oh velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando como a canção da força e da vida
Só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!
Oh velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!
José Craveirinha (1922-2003)  - é considerado o poeta maior de Moçambique

25 de abr. de 2011

Jean Michel Basquiat


Jean Michel Basquiat
http://www.youtube.com/watch?v=vmgoSYZr77k

Basquiat foi um dos primeiros  a usar o grafite como forma de expressão....a partir dele o grafite abandonou as ruas ganhou estatus de arte. Seu trabalho era um mix de influências...ele se utilizava do pop, arte das ruas, histórias em quadrinhos e... até suas raízes africanas faziam parte do caldeirão cultural. 
Grande amigo de Andy Warhol, eles chegaram a pintar juntos alguns quadros. Apesar de ter morrido cedo, aos 27 anos de overdose, Basquiat é considerado um dos mais influentes artistas da década de 80.(http://blogartemix.blogspot.com/2010/10/jean-michel-basquiat.html)

8 de abr. de 2011

CHARLES BAUDELAIRE

O vinho dos trapeiros

Muita vez ao rubor de um revérbero e a um vento,
Que à chama sempre é um golpe e o cristal um tormento,
Bem num velho arrabalde, amargo labirinto
De humanidade a arder em fermentos de instinto,
Há o trapeiro que vem movendo a fronte inquieta,
Nos muros a apoiar-se e como faz um poeta,
E sem se incomodar com os guardas descuidosos,
Abre o seu coração em projetos gloriosos.
Ei-lo posto a jurar, ditando lei sublime,
Exaltando a virtude, abominado o crime,
E sob o firmamento - um pálio de esplendor -
Embriagar-se à luz de seu próprio valor.
Estes, que a vida em casa enche de desenganos,
Roídos pelo trabalho e as tormentas dos anos,
Derreados sob montões de detritos hostis,
Confuso material que vomita Paria,
Voltam, cheios de odor de pipas e barrancos,
E seguem-nos os que a vida tornou tão brancos,
Bigodes a tombar como velhos pendões;
Os arcos triunfais, as flores, os clarões
Se erguem diante do olhar, ó solene magia!
E na ensurdecedora e luminosa orgia
Do clarim e do sol, do grito e do tambor,
Eles trazem a glória ao povo ébrio de amor!
E assim é que através desse terrestre solo,
O vinho é ouro a rolar, fascinante Pactolo;
Pela garganta humana ele canta os seus feitos
E reina por seus dons como os reis mais perfeitos.
E para o ódio afogar e embalar o ócio imenso
Desta velhice atroz que assim morre em silêncio ,
Gerou o sono, Deus, de remorso tocado;
O homem o vinho criou, filho do sol sagrado

4 de abr. de 2011

Conceição Evaristo

Conceição Evaristo, nascida em Belo Horizonte, é hoje uma das mais importantes representantes da literatura afro brasileira no país. Seu livro mais conhecido, Ponciá Vicêncio, narra as desventuras de uma mulher negra na cidade grande. Como as figuras de barro que constrói, Ponciá é fragil e delicada, mas sua sensibilidade artística não a livra de todas as formas de violência que historicamente atingem às mulheres negras e pobres. Porém, Ponciá é também forte como a arte e seu desejo de liberdade se revela em suas memórias, na luta para reencontrar seu passado negado, sua família, sua identidade. Neste blog o registro de um dos  poemas mais emblemáticos de Conceição Evaristo


Vozes-mulheres


A voz de minha bisavó ecoou
Pierre Verger
criança
nos porões do navio.
Ecoou lamentos

de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência

aos brancos donos de tudo.
A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.
A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e fome.
A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas
.

2 de abr. de 2011

GERALDO VANDRÉ

Pra não dizer que não falei de flores
Geraldo Vandré, no III Festival Internacional da Canção, 1968
O Jornal Brasil de Fato, edição nº 421, trouxe uma matéria impressionante nesta semana que incluiu o 31 de março  e o deputado Bolsonaro em cena aberta, fazendo o capitão do mato, seu personagem principal, a mostrar que os responsáveis pelo terror dos anos de chumbo estão bem ativos e, o pior, impunes.
Trata-se da reportagem Por que sumiram as imagens de Vandré? Nela descobrimos que não existem mais imagens gravadas do artista cantando Pra não dizer que não falei de flores, musica-hino da luta contra a ditadura. Sua apresentação, acompanhada por um coro de milhares de vozes, emocionou o III Festival Internacional da Canção, para desespero e ódio dos militares. 
Nenhuma TV guarda mais essas imagens, certamente deletadas dos arquivos da Globo e das outras emissoras por ordens direta do governo Médici.
Geraldo Vandré, conhecido por suas canções engajadas, foi preso, exilado e voltou ao Brasil em 1973, quando protagonizou uma controvertida entrevista na qual parece ter sido forçado a dizer que nada tinha contra os militares. Geraldo Vandré, hoje aos 75 anos, descobriu que não tem mais imagens gravadas de nenhuma de suas apresentações. Aliás, fruto do descaso  ou da repressão, poucas imagens da década de 60 restam nos arquivos das TVs brasileiras. Enquanto isso, disputamos no presente o direito à memória, antes que apaguem outros registros.

Neo realismo


Jacques Villegle
J. Tinguely

Jean Dubuffet
"Saúdo o vigésimo primeiro século que é a minha época, meu presente e meu futuro. O século XX já alguma vez existiu? (...). Concebida por poetas do tempo livre e por especialistas da sensibilidade urbana, a arte de amanhã será uma arte total correspondente a uma estética popular generalizada, fundamento das indispensáveis metamorfoses planetárias" .(do Manifesto Pela Arte Total ou Contra a Internacional da Mediocridade - Pierre Restany - 1967) 

14 de mar. de 2011

Walter Benjamin

Teses sobre o conceito de história (IX)
"Minhas asas estão prontas para o vôo,
Se pudesse, eu retrocederia
Pois eu seria menos feliz
Se permanecesse imerso no tempo vivo."
Gerhard Scholem, Saudação do anjo
Paul Klee- Angelus Novus
"Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso".

A ROSA DE HIROSHIMA, ROSA HEREDITÁRIA

Ogata Korin (1658 - 1716)

Estarrecido, o mundo  assiste impotente a fúria da natureza ameaçar o poderoso Japão e transformá-lo num amontoado de escombros.
Uma usina nuclear atingida pelos terremotos desmente o mito da segurança  sobre processos que transcendem a capacidade humana de prever e controlar riscos ao lidar com uma fonte de energia sobre a qual  não tem de fato domínio. À revelia do que significou Hiroshima e Nagasaki em 1945, a escolha ambiciosa do uso da energia nuclear parece agora assombrar a todos com uma herança que brinca com a arrogância humana. O mar, tão perto, une todo o planeta nas consequências do que ainda não sabemos direito.
O mais tecnológico dos países sucede na vez ao mais miserável. Ontem Haiti, hoje Japão. Amanhã, quem pode saber? Deus não joga dados e a natureza é infinitamente democrática ao mostrar quem manda de fato.

26 de fev. de 2011

Paulo Leão

Paulo Leão by Podrera  http://sociedademutuante.blogspot.com/2008/03/paulo-leo.html 

Paulo Leão já morreu faz tempo. Porém sua lembrança ainda está grudada nas paredes do Maleta, pátria do boêmio, poeta beatnik e morador de rua convicto.
Leão de olhos esbugalhados e roupa suja, a vagar de mesa em mesa, oferecendo no mercado dos diletantes de sempre sua poesia marginal. Seu Olympio ficava sério, sem cair na conversa do poeta que brincava com ele quando passava. Dormia sempre  no segundo andar, território protegido por bêbados, vagabundos, militantes políticos, artistas e toda fauna e flora que frequentava o velho Maleta.
Uma noite deixei no bolso do seu paletó, enquanto dormia, uma folha de papel na qual rabisquei uns versos a guisa da solenidade provocada por um poeta dormindo inocente nas ruas da cidade. Algo talvez como o que diz a verve sobre os que não se vendem ou entregam a alma a troco do desejo por coisas.
Dorme, poeta - devo ter dito, brincado com Mário Quintana- não há ladrões, eu lhe asseguro.
Meses, talvez anos depois, encontrei Leão e falei sobre os versos deixados enquanto dormia. Para meu espanto ele tirou o papelzinho  dobrado e encardido do bolso e me mostrou. Eu vi minha própria letra como alguém que tivesse vendo uma mensagem jogada numa garrafa no mar. Leão me devolveu cuidadoso minhas palavras que ele guardou por tanto tempo.
Soube que quando morreu escreveram poeta no atestado de óbito e não indigente, como queriam alguns.
eu poeta decadente
entrei no bar
e tomei todo o século XX
eu poeta decadente
saí do bar
tomando todo o século XX
(Paulo Leão)