28 de out. de 2009

O beijo de Klimt


O beijo de Klimt.

Desde que li um texto de autoria do grande professor João Antonio de Paula sobre os dourados de Klimt para falar do crepúsculo de Belo Horizonte, passei a me interessar pelo artista .
No caso de O beijo (1907), o dourado banha todo o quadro e está presente no manto do homem e no vestido da mulher, construindo verdadeira moldura para a delicadeza dos corpos desenhados e do beijo prometido entre o casal. Delicados, os dourados se unem em horizontes de mil delícias enquanto os amantes anunciam o beijo que virá. O artista acentua os lábios da mulher que vai receber o beijo em perfeito estado de entrega ao homem que abraça seu corpo. Porém, os amantes fundem mais que as almas apaixonadas no detalhe da cor da pele diferenciada.
Klimt, capaz de uma leitura generosa da riqueza das diferenças, é bem direto na sua defesa da mistura das raças. Os detalhes como o tapete, o manto, a cor da pele, o porte do homem sugerem um não europeu, talvez um árabe, um oriental. O homem é grande, forte e a mulher, ao contrário, é branca, delicada e se entrega ao beijo com a mesma força que o homem e existe entre eles uma comunicação tão evidente do desejo compartilhado que deve fazer desse quadro alguma espécie de citação obrigatória dos estudos sobre erotismo.
A beleza do quadro é exatamente a delicadeza. A combinação perfeita entre amor e delicadeza transforma O beijo na promessa feita entre as diferenças para que a paz seja a certeza entre os povos. O desejo dessa fusão pressentida no quadro é um apelo à mistura entre os povos da terra até finalmente sermos uma só humanidade cheia de diferenças. Mais que qualquer detalhe, sãos as mãos que demonstram essa intenção do artista: as do homem que seguram a cabeça da mulher. As dela, uma apoiando-se sobre a mão do homem e a outra, abraçando seu pescoço.
Klimt, com mãos mágicas, constrói no seu quadro uma utopia, uma possibilidade de sonhar. E o amor entre o homem e a mulher é também metáfora do amor entre todos, rico, dourado, solar.
(Margareth Franklin)

18 de out. de 2009


"O 'Parangolé' é não só a superação definitiva do quadro, como a proposição de uma estrutura nova do objeto-arte, uma nova reestruturação da visão espacial da obra de arte, superando também a contradição das categorias 'pintura e escultura'. Na verdade ao propor uma arte ambiental não quero sair do 'quadro' para a 'escultura', mas fundar uma nova condição estrutural do objeto que já não admite essas categorias tradicionais" (Hélio Oiticica 1930- 1980)




Hélio, o sol, explodiu em cores nos anos cinzentos do Brasil. Parangolés voadores emprestavam a leveza que faltava para alimentar os sonhos radicais de transformação. Hoje, anos depois, acordamos mais pobres, pois um incêndio (17/10) destruiu 90% das obras desse artista inquieto e genial.

16 de out. de 2009



“Meu inimigo é Minas Gerais.
O punhal que eu levanto, com a aprovação ou não de quem quer que seja é contra Minas Gerais. Que me entendam bem: contra a família mineira. Contra a literatura mineira. Contra o jesuitismo mineiro. Contra a religião mineira. Contra a concepção de vida mineira. Contra a fábula mineira. Contra o espírito judaico e bancário que assola Minas Gerais. Enfim, contra Minas, na sua carne e no seu espírito.” LÚCIO CARDOSO (1913-1968)

12 de out. de 2009

Salve Geral!, MST e as laranjas

As imagens de um trator destruindo uma fileira de pés de laranja plantados por uma grande empresa exportadora de suco em terras griladas do governo no interior de São Paulo e exaustivamente repetidas pela televisão serviram de álibi para mais uma ofensiva da bancada dos latifundiários no Congresso Nacional contra o MST. Unidos, latifundiários da terra e da mídia, têm produzido vasto material para mobilizar a opinião pública contra o Movimento dos Sem Terra, invocando sempre a tese do estado de direito, no caso a defesa das eternas plantations nacionais que sempre combinaram legalmente trabalho escravo, latifúndio e monocultura para o benefício dos partidários dessa suposta legalidade.
É bom lembrar que a senadora Kátia Abreu (DEM/PA), porta voz do latifúndio, meses atrás, ocupou os microfones das redes nacionais de televisão para justificar a existência abjeta de trabalho escravo no Norte do país alegando que as condições da região tornavam necessária essa “flexibilização” na legislação trabalhista. Ninguém pediu a prisão da Senadora pelo desrespeito flagrante ao estado de direito, nem propôs, como seria razoável num país que respeitasse suas leis, a perda imediata do seu mandato por flagrante delito e quebra do juramento prestado de defender a ordem constitucional.
Mas a ação do MST ao derrubar laranjas, incomodar os grileiros e recolocar o debate sobre o estado de direito foi importante porque incomodou os que fingem viver na normalidade diante da permanência da anomia generalizada no país de maior desigualdade social do mundo. O que é ilegal? Uma ação contra uma fileira de pés de laranja plantados em terras roubadas do poder público ou a fala da senadora ao defender o trabalho escravo e o desrespeito aos direitos humanos? Certamente a ação do MST foi radical e absolutamente simbólica, já o trabalho escravo...
O MST tem conseguido com ações espetaculares desse tipo desafinar o coro dos contentes, como dizia o poeta, e na prática conduzir o processo de reforma agrária de forma infinitamente mais pacífica do que em outros países onde apenas revoluções violentas puderam alterar a estrutura fundiária. O MST não usa armas, mas constrói uma escola em cada ocupação que faz e educa seus militantes para lutar pelos seus direitos. Na verdade, são essas ações que tornam o Movimento respeitado em todo o mundo, revigoram a luta política e ampliam o espaço de liberdade.
Por isso não há como não fazer uma analogia com o filme Salve Geral ! esse sim, retrato do Brasil que acontece todo dia, quando não há mais referência de certo ou errado e bandidos e polícia se confundem no mesmo mar de sangue, de violência, de corrupção generalizada. Não é possível saber o que é crime ou o que é estado de direito no filme e essa intenção bem sucedida do diretor Sergio Rezende é o fio que conduz a narrativas sobre os acontecimentos de maio de 2006, quando São Paulo parou devido aos ataques do PCC à cidade.
A organização criminosa com suas estreitas ligações no sistema prisional, no judiciário e nas forças policiais se apropria do discurso da esquerda e fala em revolução, organização, liberdade e justiça. No filme é evidente que é esse o discurso que mobiliza os jovens da periferia, sem perspectivas e sem igualdade de oportunidades, que a cada dia nas grandes cidades do país engrossam a fileira do tráfico e do crime organizado.
Infelizmente, cumprindo a tradição literária brasileira, o filme não escapa à idealização dos criminosos e os chefes do PCC são transformados em bons bandidos, quase heróis populares capazes de vingar a opressão vivida no falido sistema carcerários praticando ações contrárias à ordem que o produz. Entretanto, o PCC e outras organizações criminosas são movidas pelo tráfico de armas, de drogas, assaltos e assassinatos que nada têm de idealizados e com certeza se opõe flagrantemente ao estado de direito.
O que a imprensa e as autoridades não falam é que os milhares de jovem pobres que integram o MST escapam pela consciência política e pela luta pela terra de se tornarem mais um nas organizações criminosas que dominam as periferias ante a impotência governamental. A esses jovens a proposta do MST é clara: trata-se de garantir a educação para a cidadania, a unidade entre iguais na luta por direitos roubados.
O MST, mais do que qualquer discurso, tem conseguido dar esperança de dignidade para crianças, jovens, mulheres e homens originários do Brasil profundo e ao fazê-lo, escancara o debate da violência urbana, da inviabilidade das grandes cidades presas do medo e da violência: a questão urbana passa pela reforma agrária. Utilizando muitas vezes um método consagrado pela própria teoria liberal, a desobediência civil, o direito de rebelar-se quando a vida está ameaçada, o MST sem pregar a violência, é às vezes obrigado a derramar um pouco de suco de laranja, antes que a esperança se torne um bagaço na mão dos que sempre lucraram com a exploração.
(Margareth Franklin )

7 de out. de 2009




Lucio Fontana, artista italiano: (1899-1968) " Como pintor não quero fazer um quadro; desejo abrir o espaço, criar uma nova dimensão para além do plano confinado do quadro."





"Não intento decorar uma superfície mas, ao contrário, romper suas limitações dimensionais. Para lá das perfurações, uma nova liberdade conquistada de interpretações nos espera, embora também, tão certa como o fim da arte"


A Arte rompe com todos os seus limites, embora arrisque nessa ruptura seu aniquilamento (Mário Pedrosa, crítico brasileiro, 1900-1981)



4 de out. de 2009




Papagaios de seda no céu. Vento seco
Desejos de comunicar o silêncio.
Silêncios são sons que ouvimos.
Ouvir o silêncio é diferente de ouvir os pensamentos.
Pensamentos são barulhos no silêncio, mais que as aves, os grilos, o vento
Arrepios vagos, sons de longe, bambus, bambuzal sagrado em beira de vereda: vi? Não vi? Outro dia ainda e escutei as velhas histórias, não foi? Inda perguntava assim no pensamento, agilidade de enredar o leitor ouvinte: não é essa a força? Essa, a de enredar quem lê em conversação- prosa com alguém
Bambus são plantas sagradas como as outras todas, queria saber por indagar desses assuntos com Fubá, quem mais entende de artes mágicas, embora, solerte e mineiríssimo, escorregue sempre , escapando de qualquer aprofundamento e quando fala, disfarça que é antropólogo.
Bambus no quente e seco do sertão, sombra, beirada de vau, quero-quero, frango d’água, gavião em roda por cima, espiando o ajuntamento de povo em baixo, como cobra, andando em fila na picada do mato...

(Margareth)
"Toda mulher quer ser amada


Toda mulher quer ser feliz


Toda mulher se faz de coitada


Toda mulher é meio Leila Diniz"

(Rita Lee)