16 de out. de 2010


O debate sobre o aborto nas eleições de 2010.
Por Margareth Cordeiro Franklin (Professora  de história do CEFET MG)

A desfaçatez da elite brasileira é a sua maior marca registrada e principal prova de que estamos lidando com os mais ferozes donos do poder do mundo. Assim tem sido ao longo da história e no caso do debate absurdo travado sobre o aborto neste segundo turno das eleições presidenciais. É lamentável que a defesa da vida seja tão contundente apenas para os que ainda não nasceram, enquanto na vida real milhões de crianças e jovens perdem a vida todos os anos por causas violentas. De morte morrida no trânsito ou matada no crime, no confronto com policiais, com facções rivais ou podres de crack, álcool ou outras drogas.
Homens bons, cordiais, senhoras bem vestidas, mães de família, religiosos humanistas e bem intencionados. Todos são cordiais e de bem,  mas fecham os olhos à matança de mulheres pobres, abandonadas, sem fé, sem lei e sem rei no Brasil mestiço, desavergonhado, dissimulado, bestial e machista ao extremo. Ninguém fala da mulher? Da permanência histórica das suas dores e horrores? Na sua responsabilidade moral e física pelo ato do aborto e da dor exposta publicamente ainda ser crime e condenação? 
As mulheres são os lados fraco e forte nessas eleições. As feras cinocéfalas rugem contra as chances de uma mulher chegar à presidência. A mídia deixa cair sua máscara de imparcialidade e se entrega inteira, meretriz das benesses de um tempo de névoas. E inventa livremente a pauta política nas falas cretinas dos editores em uma nação que se divide de novo em personagens machadianos, no teatro de acontecimentos que vão definir nosso destino político daqui a poucos dias.
A mídia manda e o aborto vira assunto prioritário a assanhar os partidários do atraso e da ignorância O comportamento da grande imprensa orienta um debate manipulador valendo-se de palavras e sentidos. O absurdo debate  hipócrita torna-se o centro de uma disputa entre os dois brasis: o real, que vive o seu cotidiano e experimenta a navegação em águas prósperas dos últimos 8 anos de Lula na presidência e seus 90% de aprovação ao final do governo, e o virtual, inventado pelo poder da Mídia. O quarto poder entra em cena e sem vergonha constrói uma rede de intrigas para  seduzir os eleitores e destruir o voto livre, tão duramente conquistado pela República.
O eleitor se perde entre os discursos religiosos e morais que consideram o  aborto um crime contra a vida. Porém, não percebem que esse debate esconde uma monumental negação à própria Constituição Brasileira, que não admite pena de morte. Quando uma mulher faz aborto sem atendimento médico ela é na prática condenada à morte pela postura moral desses mesmos discursos cheios de boas intenções como o inferno.
Por outro lado, ninguém fala da ausência evidente do homem nesse debate. Onde está a metade masculina responsável pelo aborto? Embriões não são gerados só por mulheres... Nada acontece legalmente com um homem que induz ao aborto? Sequer é lembrado? Como disse o melhor tradutor do espírito dissimulado da elite brasileira, Machado de Assis, no caso do aborto em debate “ a mentira é muitas vezes tão involuntária como a respiração.”

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