Ascânio Lopes Quatorzevoltas foi um dos principais nomes do modernismo dos Verdes na cidade de Cataguases. Sua morte prematura, aos 22 anos, selou o destino do poeta, transformando-o em um mito para os jovens que além de desancarem o academicismo e as velhas e bolorentas formas poéticas dos anos 20, ligaram para sempre a cidade à vanguarda internacional das artes.
È fácil perceber porque o jovem herói dos Verdes, apesar do tempo curto que teve, tornou-se um dos poetas mais expressivos do grupo, dialogando com Drummond, Mario de Andrade e outros do seu tempo, confirmando a vocação artística da sua cidade e deixando um legado breve e precioso às gerações posteriores.
Dizem as lendas que é possível perceber o seu vulto de poeta nas madrugadas quentes , perto de uma gigantesca palmeira imperial onde cantam os sabiás de todos os exílios, inclusive os da morte, que o levou ainda menino.
Cataguazes - Ascânio Lopes
Para Carlos Drummond de Andrade
Nem Belo Horizonte, colcha de retalhos iguais,
cidade européia de ruas retas, árvores certas,
casas simétricas,
crepúsculos bonitos, sempre bonitos;
Nem Juiz de Fora. Ruído. Rumor.
Apitos. Klaxons.
Cidade inglesa de céu enfumaçado, cheio de chaminés negras;
Nem Ouro Preto, cidade morta,
Bruges sem Rodenbach,
onde estudantes passadistas continuam a tradição das coisas
[que já esquecemos;
Nem Sabará, cidade relíquia,
onde não se pode tocar, para não desmanchar o passado
[arrumadinho;
Nem Estrela do Sul, a sonhar com tesouros,
tesouros nos cascalhos extintos de seu rio barrento;
Nem Uberaba, nem, nem, cidades arrivistas de gente que no
[pretende ficar:
Não! Cataguazes... Há coisa mais bela e serena oculta nos
[teus flancos,
Nas tuas ruas brinca a inconsciência das cidades
que nunca foram, que não cuidam de ser.
Não sabes, não sei, ninguém compreenderá jamais o que
[desejas, o que serás,
No és do passado, não és do futuro; não tens idade...
Só sei que és
a mais mineira cidade de Minas Gerais. . .
Nem geometria, nem estilo europeu, nem invasão americana
[de bangalôs derniecri.
[de bangalôs derniecri.
Tuas casas são largas casas mineiras feitas na previsão de
[muitos hóspedes.
Não há em ti o terror das cidades plantadas na mata virgem.
Nem o ramerrão dos bondes atrasados, cheios de gente
[apressada.
Nem os dísticos de aqui esteve aqui aconteceu.
Nem o tintim áspero dos padeiros.
Nem a buzina incômoda dos tintureiros.
Teus leiteiros ainda levam o leite em burricos.
Os padeiros deixam o pão á janela (cidade mineira).
Teu amanhecer é suave.
Que alegria de só ter gente conhecida faz teu habitante
[voltar-se para cumprimentar todos que passam.
Delícia de não encontrar estrangeiros de olhar agudo esperto
[mau, a suspeitar riquezas nas terras.
Alegria dos fordes brincando (são dois) na praça.
(Depois vão dormir juntinhos numa só garagem).
Jacaré!
João Arara!
João Gostoso!
teus tipos populares.
A criançada atira-lhes pedras e eles se voltam imprecando.
[de veículos,
papagaios que se embaraçam nos fios de luz, balões que sobem,
papagaios que se embaraçam nos fios de luz, balões que sobem,
foguetes obrigatórios nas festas de chegada do chefe político.
Jardins onde meninas ariscas passeiam meia hora só antes
[do cinema.
Ar momo e sensual de voluptuosidade gostosa que vibra
nas tuas tardes chuvosas, quando as goteiras pingam nos
[passantes
e batem isócronas nos passeios furados.
que passa sem dar por isso, sem supor que se vai transformando.
Em ti se dorme tranquilo sem guardas-noturnos.
Mas com o cricri dos grilos,
o ranram dos sapos,
o sono é tranquilo como o de urna criança de colo,
Vale a pena viver em ti.
Nem inquietude,
nem peso inútil de recordações
Mas a confiança que nasce das coisas que não mudam bruscas,
nem ficam eternas.
Poemas Cronológicos — "Verde" Editora — 1928
— Cataguases — págs. sem numeração.
— Cataguases — págs. sem numeração.
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