12 de out. de 2009

Salve Geral!, MST e as laranjas

As imagens de um trator destruindo uma fileira de pés de laranja plantados por uma grande empresa exportadora de suco em terras griladas do governo no interior de São Paulo e exaustivamente repetidas pela televisão serviram de álibi para mais uma ofensiva da bancada dos latifundiários no Congresso Nacional contra o MST. Unidos, latifundiários da terra e da mídia, têm produzido vasto material para mobilizar a opinião pública contra o Movimento dos Sem Terra, invocando sempre a tese do estado de direito, no caso a defesa das eternas plantations nacionais que sempre combinaram legalmente trabalho escravo, latifúndio e monocultura para o benefício dos partidários dessa suposta legalidade.
É bom lembrar que a senadora Kátia Abreu (DEM/PA), porta voz do latifúndio, meses atrás, ocupou os microfones das redes nacionais de televisão para justificar a existência abjeta de trabalho escravo no Norte do país alegando que as condições da região tornavam necessária essa “flexibilização” na legislação trabalhista. Ninguém pediu a prisão da Senadora pelo desrespeito flagrante ao estado de direito, nem propôs, como seria razoável num país que respeitasse suas leis, a perda imediata do seu mandato por flagrante delito e quebra do juramento prestado de defender a ordem constitucional.
Mas a ação do MST ao derrubar laranjas, incomodar os grileiros e recolocar o debate sobre o estado de direito foi importante porque incomodou os que fingem viver na normalidade diante da permanência da anomia generalizada no país de maior desigualdade social do mundo. O que é ilegal? Uma ação contra uma fileira de pés de laranja plantados em terras roubadas do poder público ou a fala da senadora ao defender o trabalho escravo e o desrespeito aos direitos humanos? Certamente a ação do MST foi radical e absolutamente simbólica, já o trabalho escravo...
O MST tem conseguido com ações espetaculares desse tipo desafinar o coro dos contentes, como dizia o poeta, e na prática conduzir o processo de reforma agrária de forma infinitamente mais pacífica do que em outros países onde apenas revoluções violentas puderam alterar a estrutura fundiária. O MST não usa armas, mas constrói uma escola em cada ocupação que faz e educa seus militantes para lutar pelos seus direitos. Na verdade, são essas ações que tornam o Movimento respeitado em todo o mundo, revigoram a luta política e ampliam o espaço de liberdade.
Por isso não há como não fazer uma analogia com o filme Salve Geral ! esse sim, retrato do Brasil que acontece todo dia, quando não há mais referência de certo ou errado e bandidos e polícia se confundem no mesmo mar de sangue, de violência, de corrupção generalizada. Não é possível saber o que é crime ou o que é estado de direito no filme e essa intenção bem sucedida do diretor Sergio Rezende é o fio que conduz a narrativas sobre os acontecimentos de maio de 2006, quando São Paulo parou devido aos ataques do PCC à cidade.
A organização criminosa com suas estreitas ligações no sistema prisional, no judiciário e nas forças policiais se apropria do discurso da esquerda e fala em revolução, organização, liberdade e justiça. No filme é evidente que é esse o discurso que mobiliza os jovens da periferia, sem perspectivas e sem igualdade de oportunidades, que a cada dia nas grandes cidades do país engrossam a fileira do tráfico e do crime organizado.
Infelizmente, cumprindo a tradição literária brasileira, o filme não escapa à idealização dos criminosos e os chefes do PCC são transformados em bons bandidos, quase heróis populares capazes de vingar a opressão vivida no falido sistema carcerários praticando ações contrárias à ordem que o produz. Entretanto, o PCC e outras organizações criminosas são movidas pelo tráfico de armas, de drogas, assaltos e assassinatos que nada têm de idealizados e com certeza se opõe flagrantemente ao estado de direito.
O que a imprensa e as autoridades não falam é que os milhares de jovem pobres que integram o MST escapam pela consciência política e pela luta pela terra de se tornarem mais um nas organizações criminosas que dominam as periferias ante a impotência governamental. A esses jovens a proposta do MST é clara: trata-se de garantir a educação para a cidadania, a unidade entre iguais na luta por direitos roubados.
O MST, mais do que qualquer discurso, tem conseguido dar esperança de dignidade para crianças, jovens, mulheres e homens originários do Brasil profundo e ao fazê-lo, escancara o debate da violência urbana, da inviabilidade das grandes cidades presas do medo e da violência: a questão urbana passa pela reforma agrária. Utilizando muitas vezes um método consagrado pela própria teoria liberal, a desobediência civil, o direito de rebelar-se quando a vida está ameaçada, o MST sem pregar a violência, é às vezes obrigado a derramar um pouco de suco de laranja, antes que a esperança se torne um bagaço na mão dos que sempre lucraram com a exploração.
(Margareth Franklin )

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