Paulo Leão by Podrera http://sociedademutuante.blogspot.com/2008/03/paulo-leo.html |
Paulo Leão já morreu faz tempo. Porém sua lembrança ainda está grudada nas paredes do Maleta, pátria do boêmio, poeta beatnik e morador de rua convicto.
Leão de olhos esbugalhados e roupa suja, a vagar de mesa em mesa, oferecendo no mercado dos diletantes de sempre sua poesia marginal. Seu Olympio ficava sério, sem cair na conversa do poeta que brincava com ele quando passava. Dormia sempre no segundo andar, território protegido por bêbados, vagabundos, militantes políticos, artistas e toda fauna e flora que frequentava o velho Maleta.
Uma noite deixei no bolso do seu paletó, enquanto dormia, uma folha de papel na qual rabisquei uns versos a guisa da solenidade provocada por um poeta dormindo inocente nas ruas da cidade. Algo talvez como o que diz a verve sobre os que não se vendem ou entregam a alma a troco do desejo por coisas.
Dorme, poeta - devo ter dito, brincado com Mário Quintana- não há ladrões, eu lhe asseguro.
Meses, talvez anos depois, encontrei Leão e falei sobre os versos deixados enquanto dormia. Para meu espanto ele tirou o papelzinho dobrado e encardido do bolso e me mostrou. Eu vi minha própria letra como alguém que tivesse vendo uma mensagem jogada numa garrafa no mar. Leão me devolveu cuidadoso minhas palavras que ele guardou por tanto tempo.
Soube que quando morreu escreveram poeta no atestado de óbito e não indigente, como queriam alguns.
eu poeta decadente
entrei no bar
e tomei todo o século XX
eu poeta decadente
saí do bar
tomando todo o século XX
(Paulo Leão)