28 de nov. de 2009

"Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu?
Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros?
A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem
Triunfaram os Césares?
A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes?
Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou.
E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas ."
(Perguntas de um operário que lê - Bertold Brecht)


Dubai: assim o mundo pensa que é






Dubai: assim vive a maioria

21 de nov. de 2009


Um Artista da Fome
Franz Kafka

Nas últimas décadas o interesse pelos artistas da fome; diminuiu bastante. Se antes compensava promover, por conta própria, grandes apresentações desse gênero, hoje isso é completamente impossível. Os tempos eram outros. Antigamente toda a cidade se ocupava com os artistas da fome: a participação aumentava a cada dia de jejum; todo mundo queria ver o jejuador no mínimo uma vez por dia; nos últimos, havia espectadores que ficavam sentados dias inteiros diante da pequena jaula; também à noite se faziam visitas cujo efeito era intensificado pela luz de tochas; nos dias de bom tempo a jaula era levada ao ar livre e o artista mostrado especialmente às crianças. (...)

Quando as testemunhas se recordavam dessas cenas, alguns anos mais tarde, muitas vezes não compreendiam a si mesmas. Pois nesse meio tempo interveio a virada já referida; isso aconteceu quase de repente; devia haver motivos mais profundos, mas quem iria se preocupar em descobri-los? Seja como for, o mimado artista da fome se viu um dia abandonado pela multidão ávida de diversão que preferia afluir a outros espetáculos.


Êta vida mambembe...

The_Anima...wmv (4,8 MB)



14 de nov. de 2009


Mulher no espelho

Cecília Meireles


Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
Já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena
Só não pude ser como quis.
Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

7 de nov. de 2009


CLARICE LISPECTOR E OS INTELECTUAIS NO ESTADO NOVO: ITINERÁRIOS DE UMA APRENDIZAGEM


Como os demais intelectuais de sua geração, a jovem Clarice Lispector, quando iniciou sua obra literária, foi marcada pelos acontecimentos que abalaram o Brasil e o mundo nos anos de 1939 a 1945. Nesse período, ela, além de publicar seus primeiros escritos, estudou Direito na Universidade do Brasil, trabalhou na redação da Agência de Notícias do DIP, o poderoso Departamento de Imprensa e Propaganda do governo e depois no jornal A Noite.
Esses anos coincidem exatamente com os tempos sombrios da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, período autoritário na história brasileira sob o comando de Getúlio Vargas. Esse contexto histórico foi marcado também por intenso debate sobre projetos para o Brasil que influenciavam a vida intelectual de então e que se refletiram no cotidiano acadêmico e profissional da autora, envolvendo também os círculos com os quais convivia.
A maioria dos intelectuais de então, na condição de funcionários públicos e/ou beneficiários do mecenato oficial, dependia diretamente do governo e defendia seus interesses reforçando as “panelas” da burocracia as quais estavam vinculados. O governo de Getúlio Vargas soube muito bem tirar proveito da participação dos intelectuais de diversos matizes políticos e ideológicos nas diversas funções que desempenhavam em seu projeto de cultura política, usado para justificar o processo de modernização conservadora que implementava no país. Tal projeto foi capaz de unir antigas elites oligárquicas agora travestidas de modernas e industriais, além do capital multinacional, especialmente norte-americano, e obter o apoio das amplas massas populares conquistadas especialmente com a outorga de direitos sociais.
A participação diferenciada dos muitos intelectuais que se envolveram com esse projeto de construção nacional, seja por concordância ideológica com o regime, por crença no seu papel de protagonista na montagem de um Estado de Bem Estar Social ou por mera necessidade de sobreviver num cenário ainda de poucas oportunidades de trabalho, teve consequências duradouras na construção de uma sociedade civil autônoma no Brasil. Nesse sentido, é impossível omitir o papel dos intelectuais no Brasil de ontem, mas principalmente no país que ainda hoje vive o descompasso entre ser moderno e ostentar estatísticas que denunciam a maior desigualdade social do mundo. A tradição de alheamento da maioria da população do mundo público continua cobrando seu tributo e uma sombra parece projetada sobre a cidadania, confundindo direitos com ajuda, público com privado, interesses com virtudes políticas, numa história que continua “sem autores e responsabilidades” (TELLES, 199, p. 103).
Apesar de também trabalhar para o governo Vargas, Clarice Lispector colocou desde os seus primeiros escritos, questionamentos explícitos sobre os modelos hegemônicos de representação, da identidade, da cultura e das relações sociais e preferiu aventurar-se pela errância de personagens em busca de sua autoidentidade, elegendo temáticas relacionadas à consciência individual e aos estados subjetivos no qual a fragmentação dos episódios traduzia um olhar sobre a realidade tributário da ficção moderna. Essa opção foi estranhamente lida por parte da crítica literária como descolada de vínculos com a realidade, do compromisso social ou engajamento político e contribuiu com generalizações como a do predomínio de uma escrita intimista ou psicológica em relação às suas obras. Clarice chegou mesmo a ser considerada uma “alienada” por alguns críticos.
Porém, ao enfrentar a tradição autoritária de mando e obediência na opção principal que fez em sua obra por narrar histórias de mulheres e a outros seres desvalorizados e invisíveis para a história oficial da nação imaginada por suas elites, Clarice escancarou o peso do esquecimento que condena as maiorias ao silêncio e às múltiplas exclusões, sem direitos e sem memória.
Se o poder de lembrar foi responsável pela construção da forte tradição que considera a nação como a forma mais acabada de um grupo e a memória nacional, a forma mais completa de uma memória coletiva, a escrita de Clarice subverteu essa lógica expondo indivíduos e grupos excluídos, marginalizados e considerados como minorias, revelando verdadeiras “memórias subterrâneas” que, como parte das culturas dominadas, opõem-se à "memória oficial", no caso, à memória nacional (POLLAK, 1989). Fez isso promovendo uma verdadeira ruptura temática e formal em relação aos padrões literários vigentes. Essa experiência foi realizada no seu primeiro romance com Joana, personagem de Perto do coração selvagem (1943), que aprende ao longo de seu itinerário a voar para além das cadeias que a prendiam à escassa realidade reservada às mulheres.
Diferentemente do sentido que guiou a modernização conservadora no Brasil, a obra de Clarice desafiou o domínio hegemônico contido no conceito de “progresso quantitativo” e a ele opôs o “progresso qualitativo” do indivíduo, sua aprendizagem, para usar uma palavra cara à autora (SANTIAGO, 1999). O desenvolvimento racional e seu aprimoramento técnico perdem para o registro das indagações íntimas dos humanos sob o impacto das suas relações com a realidade sensível. Essa é a aprendizagem que propõe aos seus leitores, que experimentam outro tipo de conhecimento e são capazes de ir além dos sentidos imediatos oferecidos pelo presente para acompanhá-la na viagem ao selvagem coração da vida.


Referências:
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, n.3, 1989. p. 3-15.
SANTIAGO, Silviano. A Aula inaugural de Clarice. in: MIRANDA, Wander Melo (org.) Narrativas da Modernidade . Belo Horizonte, Autêntica, 1999
TELLES, Vera da Silva. Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
(Margareth Cordeiro Franklin - publicado no jornal Estado de Minas em 07/11/2009)

5 de nov. de 2009

VIVA MARIGHELLA QUE VIVE EM TODOS NÓS!!

"Fica um pouco de teu queixo

No queixo de tua filha.

Do teu áspero silêncio

um pouco ficou,

um pouco nos muros zangados,

nas folhas, mudas, que sobem.

Fica um pouco de tudo.

No pires de porcelana,

dragão partido, flor branca.

ficou um pouco de ruga na vossa testa,

retrato.(...)

De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.

Oh, abre os vidros de loção,

E abafa o insuportável mau cheiro da memória."

(Carlos Drummond de Andrade)

3 de nov. de 2009
















(Margareth )