Então. Vou começar pelo final que é onde estou. Recebi uma homenagem pelos 30 anos de fundação do PT do Diretório Regional do Barreiro e os acontecimentos da noite da homenagem desencadearam velhas lembranças que precisam fluir para que o esquecimento não seja o canto de sereia a nos fazer perder o rumo.
Barreiro vermelho, de barro, fumaça, luta e história, como no poema do Padre Paulo, tão querido naquela comunidade. Chão de minério puro ao pé da Serra do Rola Moça, imponente, apesar da ganância mineradora. A serra olha do seu lugar de monumento mineral o tempo passando e ri dos 30 anos, um nada, nem um suspiro seu.
A homenagem aconteceu na Escola Sindical 7 de Outubro, onde antes funcionava minha antiga escola, o Ginásio Cristo Redentor. O auditório está construído exatamente em cima do lugar onde antes existiu uma sala de tábuas. Nela eu fiz a sétima série ajudando a editar, em 1973, um jornalzinho precário e radical chamado Caixote, que reproduzia as letras de Raul Seixas e tinha o Vietnã e declarações pedindo o fim da guerra como matérias obrigatórias. Os lugares guardam uma magia secreta e com certeza, se soubermos enxergar para além das coincidências, existe sempre uma vontade de futuro, um desejo de ação, como agora eu sinto e tenho que me haver com as lembranças guardadas. Não, esse não será um relato objetivo.
Mas o esforço, prometo, será para me isentar ao máximo, ainda que isso seja impossível, pois simpatias e afinidades sempre as temos por uns e outros. Mas não me ocuparei com a pretensão de fazer um grande épico dos gloriosos e heróicos anos em que fundamos o Partido dos Trabalhadores, fomos capazes de inúmeras jogadas celestiais e de fazer o gol de tomar o poder duas décadas depois. E, se colocar um trabalhador na presidência não foi totalmente sem sangue, porque foram muitos os que tombaram para pavimentar essa tomada do poder, o que predominou mesmo foi muita alegria e capacidade de combinar técnica e paixão.Acredito sinceramente na responsabilidade que pesa sobre os ombros de quem se atreve a narrar qualquer pedaço dessa história, por ser tarefa gigantesca que penso mais adequada aos aedos que aos historiadores, pois apenas os poetas são livres.
No Barreiro, na outrora região de grandes hortas e pomares, de ar frio e céu esplêndido que nos idos de 1896, Aarão Reis e os seus decidiram construir a Colônia de Vargem Grande para receber os imigrantes italianos e alemães, construímos com sucesso uma cidadela de bandeira vermelha e estrelada. Então, enfrentamos com nossa juventude, poderosos remanescentes dos velhos coronéis, conservadores de todas as ordens, vencemos, mudamos mentalidades, e nossa glória só não é maior hoje porque essa história não foi contada. Aliás, cada ano se perde um pouco do que se sabe sobre os acontecimentos daqueles anos em cada um que desiste, morre ou vai embora, causando um prejuízo enorme para o que saberão as futuras gerações, pois Walter Benjamin me assustou para sempre, ensinando que se os inimigos vencerem, nem os mortos poderão descansar em paz. E eles não têm cessado de vencer.
Por isso a decisão de contar, contar atropelando o tempo linear, contar com o fôlego privilegiado de quem subiu e desceu tantos morros: Cardoso, Flávio Marques, Vila Cemig, Santa Helena, Araguaia, Milionários, Bonsucesso, Santa Cruz, Santa Cecília. Barreiro de Cima, de Baixo, Barreiro subterrâneo, dos córregos, das hortas, dos quintais, mangueiras e jabuticabas. Retrato na parede, mas como dói. Saudade, friozinho, barro grudado para sempre na sola dos pés vermelhos, olhos marejados de fumaça vermelha da siderúrgica que subia colorindo o céu. E são tantas lembranças que atrapalham contar e exigem fôlego, de novo os morros e lá vamos nós, ladeira acima, caminho pedregoso. E quem pode saber disso se não viveu?
Mas Gilson (sempre ele) ajudou: tem que começar falando do primeiro dia, da primeira reunião (foram tantas) na casa de Rosalinda e Rogério e como decidimos fazer um núcleo do PT e lutarmos por melhores condições de transporte público (até hoje uma droga).
Mas não foi lá não Gilson, foi na sua casa. Aquela casa dos seus pais, a que você projetou com seu talento brilhante do arquiteto dessa história toda no Barreiro. A casa que o Paulinho bahiano, cunhado de Rogério, brincava dizendo parecer um piano de cauda. Foi no porão, onde vc tinha um quarto que eu, você e a querida Cristina Góes, conversamos sobre uma reunião que teria no Colégio Santa Rita com uns sindicalistas do ABC paulista sobre a idéia de fundar um partido político. Você e Cristina eram da Centelha e eu era professora primária, não tinha entrado ainda na universidade e não podia ser da tendência, apesar de já ter participado do Comando Geral da Greve dos Professores de 1979. Eu morria de curiosidade e vontade de entrar no universo secreto dos grupos clandestinos e por isso lá fomos nós, num sábado, na tal reunião do Colégio Santa Rita. Lá estavam Lula, talvez Jacó Bittar e Olívio Dutra, com certeza Seu Joaquim, Seu Milton Freitas, Seu Alcides, que já ficaram encantados. Inácio Hernandez, Ademir, Virgílio Guimarães, Sandra Starling, Patrus Ananias, Nilmário Miranda, Tilden Santiago, Sálvio Pena e mais a gente do Jornal dos Bairros . Também o pessoal do CET- Centro de Estudos do Trabalho ( Teresa, Luiz Henrique, Beth Marques e outros ) além dos meus colegas das greves de professores daquele ano espantoso: Durval Ângelo, Luís Dulci, Carlão Pereira, Júlio Pires, Ísis Magalhães, Petinha, Rogério Correia, Rosaura, Juarez Dayrell, Ronaldinho, Léo, Rosa, Rogério, e é claro, eu., Gilson e Cristina Góes e muitos outros. E nós ali, nas arquibancadas de cimento do ginásio do colégio Santa Rita, ouvimos os visitantes ainda não tão ilustres, que explicavam para os mineiros porque não continuar no MDB e fundar um partido novo, de trabalhadores.
Lembra Gilson? Você, Cris e a Centelha inteira votaram no Humberto Rezende no ano anterior. Eu votei nulo, meu primeiro voto, pois não tinha concordado em votar em ninguém do MDB. E foi nessa reunião que nos tornamos responsáveis por articular o tal núcleo que começou na casa de Rosa e Rogério e recebeu tantos agregados importantes que serão lembrados na sequência, conduzindo o fio dessa narrativa.
Mas Gilson (sempre ele) ajudou: tem que começar falando do primeiro dia, da primeira reunião (foram tantas) na casa de Rosalinda e Rogério e como decidimos fazer um núcleo do PT e lutarmos por melhores condições de transporte público (até hoje uma droga).
Mas não foi lá não Gilson, foi na sua casa. Aquela casa dos seus pais, a que você projetou com seu talento brilhante do arquiteto dessa história toda no Barreiro. A casa que o Paulinho bahiano, cunhado de Rogério, brincava dizendo parecer um piano de cauda. Foi no porão, onde vc tinha um quarto que eu, você e a querida Cristina Góes, conversamos sobre uma reunião que teria no Colégio Santa Rita com uns sindicalistas do ABC paulista sobre a idéia de fundar um partido político. Você e Cristina eram da Centelha e eu era professora primária, não tinha entrado ainda na universidade e não podia ser da tendência, apesar de já ter participado do Comando Geral da Greve dos Professores de 1979. Eu morria de curiosidade e vontade de entrar no universo secreto dos grupos clandestinos e por isso lá fomos nós, num sábado, na tal reunião do Colégio Santa Rita. Lá estavam Lula, talvez Jacó Bittar e Olívio Dutra, com certeza Seu Joaquim, Seu Milton Freitas, Seu Alcides, que já ficaram encantados. Inácio Hernandez, Ademir, Virgílio Guimarães, Sandra Starling, Patrus Ananias, Nilmário Miranda, Tilden Santiago, Sálvio Pena e mais a gente do Jornal dos Bairros . Também o pessoal do CET- Centro de Estudos do Trabalho ( Teresa, Luiz Henrique, Beth Marques e outros ) além dos meus colegas das greves de professores daquele ano espantoso: Durval Ângelo, Luís Dulci, Carlão Pereira, Júlio Pires, Ísis Magalhães, Petinha, Rogério Correia, Rosaura, Juarez Dayrell, Ronaldinho, Léo, Rosa, Rogério, e é claro, eu., Gilson e Cristina Góes e muitos outros. E nós ali, nas arquibancadas de cimento do ginásio do colégio Santa Rita, ouvimos os visitantes ainda não tão ilustres, que explicavam para os mineiros porque não continuar no MDB e fundar um partido novo, de trabalhadores.
Lembra Gilson? Você, Cris e a Centelha inteira votaram no Humberto Rezende no ano anterior. Eu votei nulo, meu primeiro voto, pois não tinha concordado em votar em ninguém do MDB. E foi nessa reunião que nos tornamos responsáveis por articular o tal núcleo que começou na casa de Rosa e Rogério e recebeu tantos agregados importantes que serão lembrados na sequência, conduzindo o fio dessa narrativa.
Prometo que vou continuar esse esforço de lembrar e vou usar o espaço desse blog como suporte para esse registro...
Margareth
ResponderExcluirAgradeço por encontrar espaço em sua memória para o papel que exerci naquela época!Havia uma forte comoção em tudo que fazíamos: a formação dos núcleos de base do PT , as grandes discussões , as reuniões em porões e lugares inusitados como a lanchonete Flor do Líbano!Gostaria de render minha homenagem a todos que compartilharam nossa luta e hoje estão esquecidos.Especialmente Isis d'Ávila Magalhães , falecida em 5 de novembro de 1999.
Cristina Góes