As imagens de um trator destruindo uma fileira de pés de laranja plantados por uma grande empresa exportadora de suco em terras griladas do governo no interior de São Paulo e exaustivamente repetidas pela televisão serviram de álibi para mais uma ofensiva da bancada dos latifundiários no Congresso Nacional contra o MST. Unidos, latifundiários da terra e da mídia, têm produzido vasto material para mobilizar a opinião pública contra o Movimento dos Sem Terra, invocando sempre a tese do estado de direito, no caso a defesa das eternas plantations nacionais que sempre combinaram legalmente trabalho escravo, latifúndio e monocultura para o benefício dos partidários dessa suposta legalidade.
É bom lembrar que a senadora Kátia Abreu (DEM/PA), porta voz do latifúndio, meses atrás, ocupou os microfones das redes nacionais de televisão para justificar a existência abjeta de trabalho escravo no Norte do país alegando que as condições da região tornavam necessária essa “flexibilização” na legislação trabalhista. Ninguém pediu a prisão da Senadora pelo desrespeito flagrante ao estado de direito, nem propôs, como seria razoável num país que respeitasse suas leis, a perda imediata do seu mandato por flagrante delito e quebra do juramento prestado de defender a ordem constitucional.
Mas a ação do MST ao derrubar laranjas, incomodar os grileiros e recolocar o debate sobre o estado de direito foi importante porque incomodou os que fingem viver na normalidade diante da permanência da anomia generalizada no país de maior desigualdade social do mundo. O que é ilegal? Uma ação contra uma fileira de pés de laranja plantados em terras roubadas do poder público ou a fala da senadora ao defender o trabalho escravo e o desrespeito aos direitos humanos? Certamente a ação do MST foi radical e absolutamente simbólica, já o trabalho escravo...
O MST tem conseguido com ações espetaculares desse tipo desafinar o coro dos contentes, como dizia o poeta, e na prática conduzir o processo de reforma agrária de forma infinitamente mais pacífica do que em outros países onde apenas revoluções violentas puderam alterar a estrutura fundiária. O MST não usa armas, mas constrói uma escola em cada ocupação que faz e educa seus militantes para lutar pelos seus direitos. Na verdade, são essas ações que tornam o Movimento respeitado em todo o mundo, revigoram a luta política e ampliam o espaço de liberdade.
Por isso não há como não fazer uma analogia com o filme Salve Geral ! esse sim, retrato do Brasil que acontece todo dia, quando não há mais referência de certo ou errado e bandidos e polícia se confundem no mesmo mar de sangue, de violência, de corrupção generalizada. Não é possível saber o que é crime ou o que é estado de direito no filme e essa intenção bem sucedida do diretor Sergio Rezende é o fio que conduz a narrativas sobre os acontecimentos de maio de 2006, quando São Paulo parou devido aos ataques do PCC à cidade.
A organização criminosa com suas estreitas ligações no sistema prisional, no judiciário e nas forças policiais se apropria do discurso da esquerda e fala em revolução, organização, liberdade e justiça. No filme é evidente que é esse o discurso que mobiliza os jovens da periferia, sem perspectivas e sem igualdade de oportunidades, que a cada dia nas grandes cidades do país engrossam a fileira do tráfico e do crime organizado.
Infelizmente, cumprindo a tradição literária brasileira, o filme não escapa à idealização dos criminosos e os chefes do PCC são transformados em bons bandidos, quase heróis populares capazes de vingar a opressão vivida no falido sistema carcerários praticando ações contrárias à ordem que o produz. Entretanto, o PCC e outras organizações criminosas são movidas pelo tráfico de armas, de drogas, assaltos e assassinatos que nada têm de idealizados e com certeza se opõe flagrantemente ao estado de direito.
O que a imprensa e as autoridades não falam é que os milhares de jovem pobres que integram o MST escapam pela consciência política e pela luta pela terra de se tornarem mais um nas organizações criminosas que dominam as periferias ante a impotência governamental. A esses jovens a proposta do MST é clara: trata-se de garantir a educação para a cidadania, a unidade entre iguais na luta por direitos roubados.
O MST, mais do que qualquer discurso, tem conseguido dar esperança de dignidade para crianças, jovens, mulheres e homens originários do Brasil profundo e ao fazê-lo, escancara o debate da violência urbana, da inviabilidade das grandes cidades presas do medo e da violência: a questão urbana passa pela reforma agrária. Utilizando muitas vezes um método consagrado pela própria teoria liberal, a desobediência civil, o direito de rebelar-se quando a vida está ameaçada, o MST sem pregar a violência, é às vezes obrigado a derramar um pouco de suco de laranja, antes que a esperança se torne um bagaço na mão dos que sempre lucraram com a exploração.
(Margareth Franklin )
Reflexão corajosa e necessária...
ResponderExcluirMoisés Augusto