19 de dez. de 2009



Série “ Cinco daguerreótipos de dois Nacnenucks (Botocudos) do acervo da Coleção Jacquart, guardada na Photothèque do Museu do Homem, em Paris - 1844. Os daguerreótipos foram feitos em Paris, para onde os índios foram levados. Nessa época os Botocudos do Leste mineiro, em guerra contra o Império, eram considerados um inimigo perigoso a ser eliminado.
Os índios conseguiram, à sua maneira e com seu corpo, contar sua  história sem palavras.

Que em 2010 os desejos nos guiem! Sim, eu posso !!!

"Em termos bíblicos, parece que estão nos oferecendo 30 peças de prata para trair o nosso povo. Nosso futuro não está à venda. Lamento informá-lo de que Tuvalu não pode aceitar este documento", disse o representante do pequeno país insular ao recusar o documento sobre o clima proposto na conferência de Copenhagen.




Tuvalu: país ameaçado pelo aumento do nível do mar.


18 de dezembro de 2009. Para mim a conferência sobre o clima foi francamente vitoriosa e é desconstruindo com a ação o discurso hegemônico que conseguiremos construir uma outra narrativa, para além da ficção globalitária, desenvolvimentista, tecnológica, patriótica, nacionalista, estatal , de partidos, enfim, de todas as vozes do capital que em coro decidem nossos destinos e nos colocam em rota de colisão com o futuro.

O mundo não pertence às empresas que nos destroem sob a bandeira de nações que apenas são espectros de poderes muito pouco compartilhados e excessivamente opressivos.

A derrota de um acordo é a melhor coisa que poderia ter acontecido, pois desmascara o falso da proposta dos dois maiores responsáveis pela catástrofe: China e EUA, gafanhotos vorazes a tirar do planeta o que podem na sua ânsia de produzir lixo.

Os próximos anos devem ser de muita ação e gloriosamente, os militantes, os que lutam, voltam a aparecer em massa, em Copenhagen e aqui, desafinando o coro dos contentes, gritando, raça anã de humanos, corpo frágil e minúsculo contra Cila e Caríbde,

Esse é o tempo da desobediência civil, do movimento crescente das maiorias, das grandes marchas em defesa da vida. Só assim nos salvaremos e poderemos "plantar e produzir nova cultura". Acredito que o reino da necessidade não prevalecerá sobre o reino da liberdade. Descobrimos que temos muito mais do que precisamos. Repartir é que é o problema. Repartir o conhecimento, a comida, a energia, os recursos, a fé, a esperança.

De Tuvalu para o mundo: a nova ordem começa em cada um para depois ser construída por todos. É uma questão de desejo.

Que em 2010 os desejos nos guiem! Sim, eu posso !!!

28 de nov. de 2009

"Quem construiu Tebas, a das sete portas?
Nos livros vem o nome dos reis,
Mas foram os reis que transportaram as pedras?
Babilônia, tantas vezes destruída,
Quem outras tantas a reconstruiu?
Em que casas
Da Lima Dourada moravam seus obreiros?
No dia em que ficou pronta a Muralha da China para onde
Foram os seus pedreiros?
A grande Roma
Está cheia de arcos de triunfo.
Quem os ergueu?
Sobre quem
Triunfaram os Césares?
A tão cantada Bizâncio
Só tinha palácios
Para os seus habitantes?
Até a legendária Atlântida
Na noite em que o mar a engoliu
Viu afogados gritar por seus escravos.
O jovem Alexandre conquistou as Índias
Sozinho?
César venceu os gauleses.
Nem sequer tinha um cozinheiro ao seu serviço?
Quando a sua armada se afundou Filipe de Espanha
Chorou.
E ninguém mais?
Frederico II ganhou a guerra dos sete anos
Quem mais a ganhou?
Em cada página uma vitória.
Quem cozinhava os festins?
Em cada década um grande homem.
Quem pagava as despesas?
Tantas histórias
Quantas perguntas ."
(Perguntas de um operário que lê - Bertold Brecht)


Dubai: assim o mundo pensa que é






Dubai: assim vive a maioria

21 de nov. de 2009


Um Artista da Fome
Franz Kafka

Nas últimas décadas o interesse pelos artistas da fome; diminuiu bastante. Se antes compensava promover, por conta própria, grandes apresentações desse gênero, hoje isso é completamente impossível. Os tempos eram outros. Antigamente toda a cidade se ocupava com os artistas da fome: a participação aumentava a cada dia de jejum; todo mundo queria ver o jejuador no mínimo uma vez por dia; nos últimos, havia espectadores que ficavam sentados dias inteiros diante da pequena jaula; também à noite se faziam visitas cujo efeito era intensificado pela luz de tochas; nos dias de bom tempo a jaula era levada ao ar livre e o artista mostrado especialmente às crianças. (...)

Quando as testemunhas se recordavam dessas cenas, alguns anos mais tarde, muitas vezes não compreendiam a si mesmas. Pois nesse meio tempo interveio a virada já referida; isso aconteceu quase de repente; devia haver motivos mais profundos, mas quem iria se preocupar em descobri-los? Seja como for, o mimado artista da fome se viu um dia abandonado pela multidão ávida de diversão que preferia afluir a outros espetáculos.


Êta vida mambembe...

The_Anima...wmv (4,8 MB)

14 de nov. de 2009


Mulher no espelho

Cecília Meireles


Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.
Já fui loura, já fui morena,
Já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena
Só não pude ser como quis.
Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?
Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.
Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seus,
e morreu pelos seus pecados,
falará com Deus
Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

7 de nov. de 2009


CLARICE LISPECTOR E OS INTELECTUAIS NO ESTADO NOVO: ITINERÁRIOS DE UMA APRENDIZAGEM


Como os demais intelectuais de sua geração, a jovem Clarice Lispector, quando iniciou sua obra literária, foi marcada pelos acontecimentos que abalaram o Brasil e o mundo nos anos de 1939 a 1945. Nesse período, ela, além de publicar seus primeiros escritos, estudou Direito na Universidade do Brasil, trabalhou na redação da Agência de Notícias do DIP, o poderoso Departamento de Imprensa e Propaganda do governo e depois no jornal A Noite.
Esses anos coincidem exatamente com os tempos sombrios da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, período autoritário na história brasileira sob o comando de Getúlio Vargas. Esse contexto histórico foi marcado também por intenso debate sobre projetos para o Brasil que influenciavam a vida intelectual de então e que se refletiram no cotidiano acadêmico e profissional da autora, envolvendo também os círculos com os quais convivia.
A maioria dos intelectuais de então, na condição de funcionários públicos e/ou beneficiários do mecenato oficial, dependia diretamente do governo e defendia seus interesses reforçando as “panelas” da burocracia as quais estavam vinculados. O governo de Getúlio Vargas soube muito bem tirar proveito da participação dos intelectuais de diversos matizes políticos e ideológicos nas diversas funções que desempenhavam em seu projeto de cultura política, usado para justificar o processo de modernização conservadora que implementava no país. Tal projeto foi capaz de unir antigas elites oligárquicas agora travestidas de modernas e industriais, além do capital multinacional, especialmente norte-americano, e obter o apoio das amplas massas populares conquistadas especialmente com a outorga de direitos sociais.
A participação diferenciada dos muitos intelectuais que se envolveram com esse projeto de construção nacional, seja por concordância ideológica com o regime, por crença no seu papel de protagonista na montagem de um Estado de Bem Estar Social ou por mera necessidade de sobreviver num cenário ainda de poucas oportunidades de trabalho, teve consequências duradouras na construção de uma sociedade civil autônoma no Brasil. Nesse sentido, é impossível omitir o papel dos intelectuais no Brasil de ontem, mas principalmente no país que ainda hoje vive o descompasso entre ser moderno e ostentar estatísticas que denunciam a maior desigualdade social do mundo. A tradição de alheamento da maioria da população do mundo público continua cobrando seu tributo e uma sombra parece projetada sobre a cidadania, confundindo direitos com ajuda, público com privado, interesses com virtudes políticas, numa história que continua “sem autores e responsabilidades” (TELLES, 199, p. 103).
Apesar de também trabalhar para o governo Vargas, Clarice Lispector colocou desde os seus primeiros escritos, questionamentos explícitos sobre os modelos hegemônicos de representação, da identidade, da cultura e das relações sociais e preferiu aventurar-se pela errância de personagens em busca de sua autoidentidade, elegendo temáticas relacionadas à consciência individual e aos estados subjetivos no qual a fragmentação dos episódios traduzia um olhar sobre a realidade tributário da ficção moderna. Essa opção foi estranhamente lida por parte da crítica literária como descolada de vínculos com a realidade, do compromisso social ou engajamento político e contribuiu com generalizações como a do predomínio de uma escrita intimista ou psicológica em relação às suas obras. Clarice chegou mesmo a ser considerada uma “alienada” por alguns críticos.
Porém, ao enfrentar a tradição autoritária de mando e obediência na opção principal que fez em sua obra por narrar histórias de mulheres e a outros seres desvalorizados e invisíveis para a história oficial da nação imaginada por suas elites, Clarice escancarou o peso do esquecimento que condena as maiorias ao silêncio e às múltiplas exclusões, sem direitos e sem memória.
Se o poder de lembrar foi responsável pela construção da forte tradição que considera a nação como a forma mais acabada de um grupo e a memória nacional, a forma mais completa de uma memória coletiva, a escrita de Clarice subverteu essa lógica expondo indivíduos e grupos excluídos, marginalizados e considerados como minorias, revelando verdadeiras “memórias subterrâneas” que, como parte das culturas dominadas, opõem-se à "memória oficial", no caso, à memória nacional (POLLAK, 1989). Fez isso promovendo uma verdadeira ruptura temática e formal em relação aos padrões literários vigentes. Essa experiência foi realizada no seu primeiro romance com Joana, personagem de Perto do coração selvagem (1943), que aprende ao longo de seu itinerário a voar para além das cadeias que a prendiam à escassa realidade reservada às mulheres.
Diferentemente do sentido que guiou a modernização conservadora no Brasil, a obra de Clarice desafiou o domínio hegemônico contido no conceito de “progresso quantitativo” e a ele opôs o “progresso qualitativo” do indivíduo, sua aprendizagem, para usar uma palavra cara à autora (SANTIAGO, 1999). O desenvolvimento racional e seu aprimoramento técnico perdem para o registro das indagações íntimas dos humanos sob o impacto das suas relações com a realidade sensível. Essa é a aprendizagem que propõe aos seus leitores, que experimentam outro tipo de conhecimento e são capazes de ir além dos sentidos imediatos oferecidos pelo presente para acompanhá-la na viagem ao selvagem coração da vida.


Referências:
POLLAK, Michael. Memória, Esquecimento, Silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.2, n.3, 1989. p. 3-15.
SANTIAGO, Silviano. A Aula inaugural de Clarice. in: MIRANDA, Wander Melo (org.) Narrativas da Modernidade . Belo Horizonte, Autêntica, 1999
TELLES, Vera da Silva. Direitos Sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999.
(Margareth Cordeiro Franklin - publicado no jornal Estado de Minas em 07/11/2009)

5 de nov. de 2009

VIVA MARIGHELLA QUE VIVE EM TODOS NÓS!!

"Fica um pouco de teu queixo

No queixo de tua filha.

Do teu áspero silêncio

um pouco ficou,

um pouco nos muros zangados,

nas folhas, mudas, que sobem.

Fica um pouco de tudo.

No pires de porcelana,

dragão partido, flor branca.

ficou um pouco de ruga na vossa testa,

retrato.(...)

De tudo ficou um pouco.

E de tudo fica um pouco.

Oh, abre os vidros de loção,

E abafa o insuportável mau cheiro da memória."

(Carlos Drummond de Andrade)

3 de nov. de 2009

28 de out. de 2009

O beijo de Klimt


O beijo de Klimt.

Desde que li um texto de autoria do grande professor João Antonio de Paula sobre os dourados de Klimt para falar do crepúsculo de Belo Horizonte, passei a me interessar pelo artista .
No caso de O beijo (1907), o dourado banha todo o quadro e está presente no manto do homem e no vestido da mulher, construindo verdadeira moldura para a delicadeza dos corpos desenhados e do beijo prometido entre o casal. Delicados, os dourados se unem em horizontes de mil delícias enquanto os amantes anunciam o beijo que virá. O artista acentua os lábios da mulher que vai receber o beijo em perfeito estado de entrega ao homem que abraça seu corpo. Porém, os amantes fundem mais que as almas apaixonadas no detalhe da cor da pele diferenciada.
Klimt, capaz de uma leitura generosa da riqueza das diferenças, é bem direto na sua defesa da mistura das raças. Os detalhes como o tapete, o manto, a cor da pele, o porte do homem sugerem um não europeu, talvez um árabe, um oriental. O homem é grande, forte e a mulher, ao contrário, é branca, delicada e se entrega ao beijo com a mesma força que o homem e existe entre eles uma comunicação tão evidente do desejo compartilhado que deve fazer desse quadro alguma espécie de citação obrigatória dos estudos sobre erotismo.
A beleza do quadro é exatamente a delicadeza. A combinação perfeita entre amor e delicadeza transforma O beijo na promessa feita entre as diferenças para que a paz seja a certeza entre os povos. O desejo dessa fusão pressentida no quadro é um apelo à mistura entre os povos da terra até finalmente sermos uma só humanidade cheia de diferenças. Mais que qualquer detalhe, sãos as mãos que demonstram essa intenção do artista: as do homem que seguram a cabeça da mulher. As dela, uma apoiando-se sobre a mão do homem e a outra, abraçando seu pescoço.
Klimt, com mãos mágicas, constrói no seu quadro uma utopia, uma possibilidade de sonhar. E o amor entre o homem e a mulher é também metáfora do amor entre todos, rico, dourado, solar.
(Margareth Franklin)

18 de out. de 2009


"O 'Parangolé' é não só a superação definitiva do quadro, como a proposição de uma estrutura nova do objeto-arte, uma nova reestruturação da visão espacial da obra de arte, superando também a contradição das categorias 'pintura e escultura'. Na verdade ao propor uma arte ambiental não quero sair do 'quadro' para a 'escultura', mas fundar uma nova condição estrutural do objeto que já não admite essas categorias tradicionais" (Hélio Oiticica 1930- 1980)




Hélio, o sol, explodiu em cores nos anos cinzentos do Brasil. Parangolés voadores emprestavam a leveza que faltava para alimentar os sonhos radicais de transformação. Hoje, anos depois, acordamos mais pobres, pois um incêndio (17/10) destruiu 90% das obras desse artista inquieto e genial.

16 de out. de 2009



“Meu inimigo é Minas Gerais.
O punhal que eu levanto, com a aprovação ou não de quem quer que seja é contra Minas Gerais. Que me entendam bem: contra a família mineira. Contra a literatura mineira. Contra o jesuitismo mineiro. Contra a religião mineira. Contra a concepção de vida mineira. Contra a fábula mineira. Contra o espírito judaico e bancário que assola Minas Gerais. Enfim, contra Minas, na sua carne e no seu espírito.” LÚCIO CARDOSO (1913-1968)

12 de out. de 2009

Salve Geral!, MST e as laranjas

As imagens de um trator destruindo uma fileira de pés de laranja plantados por uma grande empresa exportadora de suco em terras griladas do governo no interior de São Paulo e exaustivamente repetidas pela televisão serviram de álibi para mais uma ofensiva da bancada dos latifundiários no Congresso Nacional contra o MST. Unidos, latifundiários da terra e da mídia, têm produzido vasto material para mobilizar a opinião pública contra o Movimento dos Sem Terra, invocando sempre a tese do estado de direito, no caso a defesa das eternas plantations nacionais que sempre combinaram legalmente trabalho escravo, latifúndio e monocultura para o benefício dos partidários dessa suposta legalidade.
É bom lembrar que a senadora Kátia Abreu (DEM/PA), porta voz do latifúndio, meses atrás, ocupou os microfones das redes nacionais de televisão para justificar a existência abjeta de trabalho escravo no Norte do país alegando que as condições da região tornavam necessária essa “flexibilização” na legislação trabalhista. Ninguém pediu a prisão da Senadora pelo desrespeito flagrante ao estado de direito, nem propôs, como seria razoável num país que respeitasse suas leis, a perda imediata do seu mandato por flagrante delito e quebra do juramento prestado de defender a ordem constitucional.
Mas a ação do MST ao derrubar laranjas, incomodar os grileiros e recolocar o debate sobre o estado de direito foi importante porque incomodou os que fingem viver na normalidade diante da permanência da anomia generalizada no país de maior desigualdade social do mundo. O que é ilegal? Uma ação contra uma fileira de pés de laranja plantados em terras roubadas do poder público ou a fala da senadora ao defender o trabalho escravo e o desrespeito aos direitos humanos? Certamente a ação do MST foi radical e absolutamente simbólica, já o trabalho escravo...
O MST tem conseguido com ações espetaculares desse tipo desafinar o coro dos contentes, como dizia o poeta, e na prática conduzir o processo de reforma agrária de forma infinitamente mais pacífica do que em outros países onde apenas revoluções violentas puderam alterar a estrutura fundiária. O MST não usa armas, mas constrói uma escola em cada ocupação que faz e educa seus militantes para lutar pelos seus direitos. Na verdade, são essas ações que tornam o Movimento respeitado em todo o mundo, revigoram a luta política e ampliam o espaço de liberdade.
Por isso não há como não fazer uma analogia com o filme Salve Geral ! esse sim, retrato do Brasil que acontece todo dia, quando não há mais referência de certo ou errado e bandidos e polícia se confundem no mesmo mar de sangue, de violência, de corrupção generalizada. Não é possível saber o que é crime ou o que é estado de direito no filme e essa intenção bem sucedida do diretor Sergio Rezende é o fio que conduz a narrativas sobre os acontecimentos de maio de 2006, quando São Paulo parou devido aos ataques do PCC à cidade.
A organização criminosa com suas estreitas ligações no sistema prisional, no judiciário e nas forças policiais se apropria do discurso da esquerda e fala em revolução, organização, liberdade e justiça. No filme é evidente que é esse o discurso que mobiliza os jovens da periferia, sem perspectivas e sem igualdade de oportunidades, que a cada dia nas grandes cidades do país engrossam a fileira do tráfico e do crime organizado.
Infelizmente, cumprindo a tradição literária brasileira, o filme não escapa à idealização dos criminosos e os chefes do PCC são transformados em bons bandidos, quase heróis populares capazes de vingar a opressão vivida no falido sistema carcerários praticando ações contrárias à ordem que o produz. Entretanto, o PCC e outras organizações criminosas são movidas pelo tráfico de armas, de drogas, assaltos e assassinatos que nada têm de idealizados e com certeza se opõe flagrantemente ao estado de direito.
O que a imprensa e as autoridades não falam é que os milhares de jovem pobres que integram o MST escapam pela consciência política e pela luta pela terra de se tornarem mais um nas organizações criminosas que dominam as periferias ante a impotência governamental. A esses jovens a proposta do MST é clara: trata-se de garantir a educação para a cidadania, a unidade entre iguais na luta por direitos roubados.
O MST, mais do que qualquer discurso, tem conseguido dar esperança de dignidade para crianças, jovens, mulheres e homens originários do Brasil profundo e ao fazê-lo, escancara o debate da violência urbana, da inviabilidade das grandes cidades presas do medo e da violência: a questão urbana passa pela reforma agrária. Utilizando muitas vezes um método consagrado pela própria teoria liberal, a desobediência civil, o direito de rebelar-se quando a vida está ameaçada, o MST sem pregar a violência, é às vezes obrigado a derramar um pouco de suco de laranja, antes que a esperança se torne um bagaço na mão dos que sempre lucraram com a exploração.
(Margareth Franklin )

7 de out. de 2009




Lucio Fontana, artista italiano: (1899-1968) " Como pintor não quero fazer um quadro; desejo abrir o espaço, criar uma nova dimensão para além do plano confinado do quadro."





"Não intento decorar uma superfície mas, ao contrário, romper suas limitações dimensionais. Para lá das perfurações, uma nova liberdade conquistada de interpretações nos espera, embora também, tão certa como o fim da arte"


A Arte rompe com todos os seus limites, embora arrisque nessa ruptura seu aniquilamento (Mário Pedrosa, crítico brasileiro, 1900-1981)



4 de out. de 2009




Papagaios de seda no céu. Vento seco
Desejos de comunicar o silêncio.
Silêncios são sons que ouvimos.
Ouvir o silêncio é diferente de ouvir os pensamentos.
Pensamentos são barulhos no silêncio, mais que as aves, os grilos, o vento
Arrepios vagos, sons de longe, bambus, bambuzal sagrado em beira de vereda: vi? Não vi? Outro dia ainda e escutei as velhas histórias, não foi? Inda perguntava assim no pensamento, agilidade de enredar o leitor ouvinte: não é essa a força? Essa, a de enredar quem lê em conversação- prosa com alguém
Bambus são plantas sagradas como as outras todas, queria saber por indagar desses assuntos com Fubá, quem mais entende de artes mágicas, embora, solerte e mineiríssimo, escorregue sempre , escapando de qualquer aprofundamento e quando fala, disfarça que é antropólogo.
Bambus no quente e seco do sertão, sombra, beirada de vau, quero-quero, frango d’água, gavião em roda por cima, espiando o ajuntamento de povo em baixo, como cobra, andando em fila na picada do mato...

(Margareth)
"Toda mulher quer ser amada


Toda mulher quer ser feliz


Toda mulher se faz de coitada


Toda mulher é meio Leila Diniz"

(Rita Lee)

24 de set. de 2009

Um panará sonha
larguezas de vida e de morte
um mundo sobre o outro
qual espelho ou ilusão

Costumam dizer que
uma mulher pariu uma sucuri
o marido assustado esquartejou a cobra.

Dos pedacinhos vieram os brancos,
por isso eles são tão numerosos.

(Margareth Franklin in Terra, 1998. Editora Por Ora)

Começo pelo pão

No mundo dos humanos, o pão é uma invenção tão antiga como os primórdios do que chamamos civilização.
Foram as mulheres que inventaram a agricultura. A elas foi dado o poder de prestar atenção no renascimento dos grãos. E delas foi herdado o pão que de primitivo monte de farelos amassados foi se transformando até assumir as formas que conhecemos hoje.
Na minha comunidade de origem fazíamos o pão de mandioca, tapioca, finíssima farinha branca,
Como pão também o beiju de farinha: água fria, farinha, açúcar que amassados, frigideira, gotas de óleo, côco ralado, café de rapadura para acompanhar num tamborete encostado no fogão à lenha, cheiro de madeira queimando, picumã no teto, longes de fumaça que aparecem nas estradas sempre terão o gosto afetivo do beiju dos tempos difíceis: vento sul só tinha beiju...
Mas tinha também tempos de cuscuz branco, abundâncias de polvilho, côco, melado...Depois leite condensado, bem depois...
Margareth - 2009
MST-MG - 08/03/08: Prá plantar e produzir nova cultura


poeminha pós- moderno sobre a prisão de oitocentos homens no dia 8/03/08 por não pagarem a Pensão Alimentícia...

êta, trepada cara
pensam os caras
a cara do pai pensa o mundo
a vida tão cara diz a mãe.
Cana, cara de pau
Cara de mau
Cara sem sal
caracol, cada qual com seu lençol.
margareth - 08/03/2008

A poesia captura
a palavra que borboleteia.

Teia de pensar
palavra vira poesia.
margareth - 1999

Os bons companheiros

A festa da DS e os bons companheiros

E então trinta anos depois nos encontramos num bar para rever os amigos que deixamos para trás na vida, mas nunca esquecemos. Esses anos passaram tão rápidos e produziram mudanças tão radicais que tornaram relíquias de um passado longínquo os discos que ouvimos juntos em outras festas, as máquinas de escrever que martelávamos furiosos escrevendo panfletos, as fichas de telefone e as organizações revolucionárias com suas utopias. (Recebi um alto elogio na noite da festa ao ser considerada por um velho camarada como a única com mofo trotskista ainda no grupo por acreditar na tradição brasileira de mudar conservando: quer dizer, talvez eu, como esses objetos e as velhas idéias de revolução, tenhamos ficado no passado).
Devo dizer que é disso que falo: de outra tradição desvalorizada e esquecida, a que cada revolução no momento mais intenso produz e que se perde com o declínio das formas organizativas que criou para o exercício do poder popular , ou como definiu H. Arendt: o tesouro perdido das revoluções, agora enterrado sob as areias de um tempo sombrio...
Mas uma festa deve sempre lembrar as utopias que os humanos são capazes de sonhar juntos e por isso celebram. No nosso caso, a festa era uma forma de mostrar que anos depois do nosso encontro lá atrás, no início da revolução à brasileira, estávamos juntos e unidos.
Somos, à nossa moda, os fundadores de uma nova etapa histórica e sabemos que desenhamos no corpo coletivo do que chamamos sociedade uma tatuagem “ que é prá te dar coragem, pra seguir viagem quando a noite vem”, como na canção. Essa tatuagem é o amor pela política, a felicidade pública que experimentamos intensamente ao conspirar para derrubar a ditadura e fundar o maior partido de trabalhadores do mundo. Ganhamos com isso um conhecimento raro, misterioso, experimentado por poucos. Essa felicidade sentida pelos que agem no mundo público, ou seja, fora dos limites da vida privada, da intimidade é o legado maior desses homens e mulheres de meia idade que celebram hoje num bar a alegria dos moços de outrora.
Cumprimos um sonho dos que pensaram um monte de conceitos – idéias – matrizes: o partido, o intelectual, a revolução, a história, a fundação e a república e projetamos esse conhecimento no vácuo da experiência de exercício de poder popular no mundo: inventamos.
Provamos a todos a capacidade de governar e administrar o Estado e transformamos o país numa potência mundial: mudamos.
O ícone trabalhador- estrela Lula brilha no mundo, na constelação repaginada dos grandes líderes do começo do século XXI. Todos são bem intencionados, querem salvar o planeta, combatem a fome e deitam os recursos do Estado para garantir o domínio total do capitalismo de consumo enquanto ainda tentam garantir uma versão atualizada de Welfare State: conservamos.
(Fim do Primeiro Ato)



A grande travessia que essa geração experimentou, considerando o PT como o fenômeno gerador que nos uniu e separou ao longo dessas três décadas, encalha-nos na praia da melancolia. Agora brilha o sol negro enquanto sobrevivemos produzindo endorfina, adrenalina ou consumindo fluoxetina e outras inas que o mundo oferece fartamente. O silêncio prende nossas asas e ninguém mais voa atrás de sonho nenhum, esperando, pachorrenta e diletantemente, algo acontecer na sequência enfiada de dias e noites. Apenas assistimos e by the windows vivemos a dimensão virtual a que foi reduzido o espaço público.
Os labirintos do poder são muitos e estamos perdidos sem o fio de Ariadne. Perdemos a DS? Claro que não, dizem os meninos da UFMG, orgulhosos pela conquista do D.A Fafich. (Lembro do Vota Centelha na parede do prédio da Carangola e comemoro com trinta anos de atraso saber o D.A da DS, vê se pode... )
Mas a DS sempre foi considerada uma organização de intelectuais e esses hoje estão ameaçados e reduzidos ao silêncio por escolha própria, como resposta à perda do mundo público, condição para a existência do seu trabalho. Se há silêncio, como bem apontou M. Chauí, suas causas devem ser indagadas, pois ameaçam a própria existência do intelectual.
O avanço espetacular da tecnociência, o poder absoluto do binômio mídia-consumo, a perda generalizada de direitos, a redução do cidadão a consumidor privado, o declínio do espaço público e por conseqüência da política e da liberdade, agora substituídos pela sociedade de segurança máxima, além da falência anunciada do equilíbrio planetário deixam cada um de nós com a postura do anjo do Paul Klee, relido por Walter Benjamim: uma tempestade chamada progresso nos empurra para o futuro, mas viramos às costas e olhamos o passado. Talvez porque não exista futuro para onde olhar. Talvez porque como humanos e não anjos, vemos apenas os acontecimentos e no passado além dos mortos, das ruínas e da destruição existe também aqueles que foram capazes de reinventar a vida. Isso ajuda guiar o nosso caminhar cego: lembramos.
Fim do Segundo Ato
Cai o Pano

Margareth Franklin - set/2009

21 de set. de 2009

Clarice Lispector


Talvez tivesse alguma vez modificado com sua força selvagem o ar ao seu redor e ninguém nunca o perceberia, talvez tivesse inventado com sua respiração uma nova matéria.

Clarice Lispector, Perto do coração selvagem (1995, p. 223)