29 de dez. de 2010

23 de dez. de 2010

Ascânio Lopes


Ascânio Lopes Quatorzevoltas foi um dos principais nomes do modernismo dos Verdes na cidade de Cataguases. Sua morte prematura, aos 22 anos, selou o destino do poeta, transformando-o em um mito para os jovens que além de desancarem o academicismo e as velhas e bolorentas formas poéticas dos anos 20, ligaram para sempre a cidade à vanguarda internacional das artes.
È fácil perceber porque o jovem herói dos Verdes, apesar do tempo curto que teve, tornou-se um dos poetas mais expressivos do grupo, dialogando com Drummond, Mario de Andrade e outros do seu tempo, confirmando a vocação artística da sua cidade e deixando um legado breve e precioso às gerações posteriores.
Dizem as lendas que é possível perceber o seu vulto de poeta nas madrugadas quentes , perto de uma gigantesca palmeira imperial onde cantam os sabiás de todos os exílios, inclusive os da morte, que o levou ainda menino.

Cataguazes - Ascânio Lopes

   Para Carlos Drummond de Andrade

Nem Belo Horizonte, colcha de retalhos iguais,
cidade européia de ruas retas, árvores certas,
casas simétricas,
crepúsculos bonitos, sempre bonitos;
Nem Juiz de Fora. Ruído. Rumor.
Apitos. Klaxons.
Cidade inglesa de céu enfumaçado, cheio de chaminés negras;
Nem Ouro Preto, cidade morta,
Bruges sem Rodenbach,
onde estudantes passadistas continuam a tradição das coisas
                                                                  [que já esquecemos;

Nem Sabará, cidade relíquia,
onde não se pode tocar, para não desmanchar o passado
                                                                  [arrumadinho;
Nem Estrela do Sul, a sonhar com tesouros,
tesouros nos cascalhos extintos de seu rio barrento;
Nem Uberaba, nem, nem, cidades arrivistas de gente que no
                                                                  [pretende ficar:
Não! Cataguazes... Há coisa mais bela e serena oculta nos
                                                                  [teus flancos,
Nas tuas ruas brinca a inconsciência das cidades
que nunca foram, que não cuidam de ser.
Não sabes, não sei, ninguém compreenderá jamais o que
                                                                  [desejas, o que serás,
No és do passado, não és do futuro; não tens idade...
Só sei que és
a mais mineira cidade de Minas Gerais. . .
Nem geometria, nem estilo europeu, nem invasão americana
[de bangalôs derniecri.
                                                                 
Tuas casas são largas casas mineiras feitas na previsão de
                                                                  [muitos hóspedes.
Não há em ti o terror das cidades plantadas na mata virgem.
Nem o ramerrão dos bondes atrasados, cheios de gente
                                                                  [apressada.
Nem os dísticos de aqui esteve aqui aconteceu.
Nem o tintim áspero dos padeiros.
Nem a buzina incômoda dos tintureiros.
Teus leiteiros ainda levam o leite em burricos.
Os padeiros deixam o pão á janela (cidade mineira).
Teu amanhecer é suave.
Que alegria de só ter gente conhecida faz teu habitante
[voltar-se para cumprimentar todos que passam.
Delícia de não encontrar estrangeiros de olhar agudo esperto
                            [mau, a suspeitar riquezas nas terras.
Alegria dos fordes brincando (são dois) na praça.
(Depois vão dormir juntinhos numa só garagem).
Jacaré!
João Arara!
João Gostoso!
teus tipos populares.
A criançada atira-lhes pedras e eles se voltam imprecando.
Rondas alegres de meninas nas ruas, as tardes, sem perigo
                                                                  [de veículos,
papagaios que se embaraçam nos fios de luz, balões que sobem,
foguetes obrigatórios nas festas de chegada do chefe político.
Jardins onde meninas ariscas passeiam meia hora só antes
                                                                  [do cinema.
Ar momo e sensual de voluptuosidade gostosa que vibra
nas tuas tardes chuvosas, quando as goteiras pingam nos
                                                                  [passantes
e batem isócronas nos passeios furados.
Há em ti a delícia da vida que passa porque vale a pena passar,
que passa sem dar por isso, sem supor que se vai transformando.
Em ti se dorme tranquilo sem guardas-noturnos.
Mas com o cricri dos grilos,
o ranram dos sapos,
o sono é tranquilo como o de urna criança de colo,
Vale a pena viver em ti.
Nem inquietude,
nem peso inútil de recordações
Mas a confiança que nasce das coisas que não mudam bruscas,
nem ficam eternas.

                            Poemas Cronológicos — "Verde" Editora — 1928
                            — Cataguases — págs. sem numeração.

15 de dez. de 2010

Portinari
1000 CDs de primeiríssima qualidade que resumem bem a música dos últimos 100 anos:
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2 - Clicando no nome do disco, aparece a relação
das faixas que podem ser ouvidas.
3 - Clicando na bolinha branca e preta, do lado direito do nome da faixa, aparece uma nova janela com a letra da música.

11 de dez. de 2010

Caminho do rio

Rio Pomba - Cataguases- MG


MANOEL DE BARROS

Matisse
Uma Didática da Invenção
I
Para apalpar as intimidades do mundo é preciso saber:
a) Que o esplendor da manhã não se abre com
faca
b) 0 modo como as violetas preparam o dia
para morrer
c) Por que é que as borboletas de tarjas
vermelhas têm devoção por túmulos
d) Se o homem que toca de tarde sua existência
num fagote, tem salvação
e) Que um rio que flui entre 2 jacintos carrega
mais ternura que um rio que flui entre 2
lagartos
f) Como pegar na voz de um peixe
g) Qual o lado da noite que umedece primeiro.
Etc.
etc.
etc.
Desaprender 8 horas por dia ensina os princípios.
 


IV
No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
escrito:
Poesia é quando a tarde está competente para
Dálias.
É quando
Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
Quando o homem faz sua primeira lagartixa
É quando um trevo assume a noite
E um sapo engole as auroras

IX

Para entrar em estado de árvore é preciso
partir de um torpor animal de lagarto às
3 horas da tarde, no mês de agosto.
Em 2 anos a inércia e o mato vão crescer
em nossa boca.
Sofreremos alguma decomposição lírica até
o mato sair na voz.

Hoje eu desenho o cheiro das árvores.


IX

O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem.